terça-feira, 27 de outubro de 2009

Intenção vs Consequências

Começo por felicitar o Queirós pela sugestão do filme "A Clockwork Orange", do seu mais-que-tudo Kubrick :P . Apesar de já o ter visto, sei que havia uma grande maioria dos alunos que ainda não tinha tido esse prazer, para além do facto que é um filme que não custa nada rever, antes pelo contrário. É também um filme que dá para discutir inúmeros temas (como se viu na terça).

A questão das teorias normativas da acção (deontologia vs consequencialismo) não é algo que tenha significativamente bem definido na minha cabeça, no entanto confesso que a deontologia, me pareça a melhor alternativa. Não me parece que as consequências sejam uma peça fundamental, na avaliação moral de uma qualquer acção.

Lembro-me de que quando demos o utilitarismo, li alguns textos sobre este tema, e recordo-me que, embora não concorde totalmente com a opinião de Platão, este ilustrava bem o que era moral: Dizia então que não era deixarmos de roubar isto ou aquilo, por medo de sermos apanhados/reprovados pela sociedade. Era sim o que nos faria roubar ou não roubar, quando estivéssemos invisíveis e soubéssemos que ninguém poderia julgar as nossas acções. O resto será algo entre o medo e a hipocrisia. É aquilo que podemos chamar dever interior, que vem contrastar um pouco com o dever exterior. O contrário faria de nós meros instrumentos para a sociedade.

É óbvio que para um sistema como este, é necessário termos uma maneira de universalizar os valores, ou então entraríamos no " o que é bom para mim, é mau para ti". Como? Não sei, não tenho a resposta. Mas penso que passará por algo parecido com o imperativo categórico de Kant. No entanto alinho numa visão mais moderada do que a de Kant, pois penso que é impossível não ser inconsistente ao nível moral adoptando esta doutrina. Temos o famoso caso que exemplifica isso bem: Se alguma vez Kant escondesse um amigo em sua casa, e um assassino lhe batesse à porta e perguntasse se o seu amigo ai se encontrava, Kant teria de dizer a verdade. Penso assim, que há situações onde as regras morais podem e devem ser quebradas, nomeadamente em nome de valores como "Manter promessas" ou "Não infligir mal aos outros". Ultrapassar este problema passará eventualmente por atribuir alguma hierarquia aos valores, mas como disse no inicio, não é algo que tenha pensado a fundo.

Contudo, não encontro qualquer fundamento no consequencialismo.

Em primeiro lugar, usa o indivíduo como um mero instrumento para atingir o bem geral, tomando-nos como objectos sem qualquer vontade, em suma, fazendo com que puséssemos de lado qualquer projecto pessoal já que a maximização do prazer/ ausência de dor não passa por isso.

Em segundo lugar é impossível calcular as consequências de uma acção de uma forma acertada, jamais o vamos conseguir fazer. E há ainda outra questão, de que consequências falamos? das directas? Por exemplo se salvar uma criança poderá à partida ser uma acção moralmente aceitável do ponto de vista consequencialista (consequencial?), o que diremos se essa criança se tornar uma serial killer, ou um ditador, e matar uma data de gente? Continuará a ser uma boa acção? (Isto é também apontado como uma objecção à deontologia, já que na maioria das vezes é impossível apurar a intenção do indivíduo)

O terceiro ponto é que o consequencialismo ignora por completo as normas e regras morais. O objectivo é sempre maximizar o bem. O que por um lado, torna todas as acções que não maximizam o bem, moralmente incorrectas, e por outro torna acções que nos parece, à partida, óbvio que são acções muito erradas, moralmente correctas. Dou-vos o exemplo de dois pacientes que necessitam de um rim. Do ponto de vista consequencialista, matarmos alguém e fornecermos cada um dos rins a cada paciente, parece uma acção completamente aceitável.

Acho que o consequencialismo acaba por aceitar a máxima que os fins justificam os meios, que é algo com o qual não posso concordar!

Sérgio

P.S.: Bibó S.L.B.!

5 comentários:

  1. Em relação ao consequencialismo, couldn't agree more.No que diz respeito ao deontologismo, é, como bem dizes, complicado. E essa ideia da hierarquia de valores parece-me boa, mas (também não pensei muito a fundo nisso) parece-me algo impossível de ser estipulado, como as máximas do imperativo categórico. A posição que mantenho em relação a esta questão e pela qual me rejo é algo semelhante a um deontologismo kanteano. Acho que utópicamente falando, se todos agíssemos de acordo com um princípio universal o deontologismo seria, sem qualquer tipo de problema, a melhor das teorias. No entanto, devido à quebra de regras morais feitas por algumas pessoas, outras são também levadas a quebrar as suas. É o caso das prisões. Se considerarmos o encarceramento de um indivíduo por si só, sem qualquer tipo de contexto, é imoral. No entanto, visto que esse indivíduo feriu e perturbou a harmonia axiológica pela qual todos nos devíamos reger, remendos baseados no "bom senso" não são inaceitáveis, mesmo que não estejam de acordo com o código moral. Acho que é isso que faz com que seja legítimo assaltar uma farmácia se for mesmo necessário (dilema de Heinz) ou mentir para salvar a vida a um amigo nosso. A estabilidade e harmonia axiológica já foi corrompida. Estamos simplesmente a corrigi-la

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  2. no meu decimo ano falámos da hierarqizaçao dos valores, e a conclusão a que cheguei é que é obviamente indispensável a classificação dos valores. "Valores inferiores", "valores superiores", "Valores invioláveis" ou valores que podem ser ignorados em certas alturas.

    Portanto essa "tábua de valores" tem de existir, de modo a podermos privilegiar a vida em detrimento da verdade (no teu exemplo). Para mim, a questão está no critério que utilizamos!

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  3. Concordo perfeitamente com a perspectiva do Sérgio e classificação de valores que a mathilda mencionou visto que parte dos nossos principios a forma como julgamos e actuamos perante as situações. Queria levantar então a questão da personalidade e meio ambiente pois se acreditarmos que nos regemos por regras às quais não podemos fugir pois somos influenciados pela personalidade, meio ambiente etc, a nossa perspectiva vai ser diferente de cada um, mas não consigo apreender a ideia de haver alguém que não concorde com a decisão tomada no dilema de heinz referido pelo Queiros. A minha pergunta é como lidar/aceitar com opiniões que à partida nos parecem tão desumanas?

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  4. continuando o raciocinio... Servir-nos-emos então da personalidade e meio ambiente como desculpa para qualquer acção? Então e o facto de sermos seres pensantes e racionais? Não é uma objecção ao (não haver livre-arbitrio)? Elucidem-me

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  5. Quem és, anónimo? Não vale assinar com o meu nome xD

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