quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Ainda na Laranja

Vejamos: segundo um dicionário de filosofia, a definição de "bem" e de "mal" passa por um imediato aconselhamento de pesquisar a definição de "ética", "ver ética". «O adjectivo ético, na linguagem comum, é aplicado a comportamentos/posturas ("éticos", "pouco éticos", "falhas de ética") das pessoas, numa referência à realidade humana na sua plenitude. O tema nuclear da Ética são os actos do ser humano, enquanto ser possuidor de Razão. Os actos que são livres e, enquanto tais, "correctos" ou "incorrectos", "justos" ou "injustos" -- de um modo mais simples, "bons" ou "maus".

Os termos Ética e Moral são por vezes usados indistintamente, sendo mesmo equivalentes em numerosos textos. A distinção, no entanto, pode fazer-se referindo a moral à prática concreta dos homens enquanto membros de uma dada sociedade, com condicionalismos diversos e específicos -- enquanto a ética é a reflexão sobre essas práticas.»

Heinemann formula a questão central a que esperamos que a Ética responda: "Que devo escolher?" Ou melhor: "Há um valor supremo? Há uma hierarquia de valores? Que forma de vida devo escolher? Que espécie de homem devo ser? O que devo querer? O que devo fazer?"


Segundo Fernando Savater em Ética para um jovem: «(...)ao contrário de outros seres, vivos ou inanimados, nós, seres humanos, podemos inventar e escolher EM PARTE a nossa forma de vida. Podemos optar pelo que nos parece bom, quer dizer, conveniente para nós, frente ao que nos parece mau e inconveniente. E, como podemos inventar e escolher, podemos enganar-nos, que é uma coisa que não costuma acontecer a castores, abelhas e térmitas. Assim, parece prudente estarmos bem atentos ao que fazemos e procurar um certo saber viver que nos permita acertar. Esse saber viver, ou arte de viver, se preferires, é aquilo a que se chama ética.»


Este parágrafo de Savater é excelente para avaliar a consequência do programa a que Alex foi submetido: "[poder] optar pelo o que nos parece bom". Porém, há ainda várias questões a enumerar. Os valores são, ou devem ser, comuns? «Há um valor supremo? Há uma hierarquia de valores?» Em relação ao subjectivismo moral, confesso não ter uma opinião formada. Ao contrário de Kant, não acredito que TODOS os valores possam ser universais, mas será que ALGUM faz parte de todo o universo psicológico e consciente?

Gostei imenso do post do Sérgio, acerca de "Intenção vs Consequências" e um dos comentários feitos pela Matilde elucidou-me bastante. A possível existência de uma hierarquia de valores, de uma «tábua de valores», distinguindo "valores invioláveis", "valores superiores" e "valores inferiores".


Acho que no filme não se trata de subjectivismo moral. Porque, na verdade, os nosso valores morais advêm de uma aprendizagem, uma educação paternal e social.
O Alex fazia parte de uma sociedade e, como tal, adquiriu os "valores invioláveis" desta, os "valores superiores" do seio familiar e, talvez, os "valores inferiores" através das suas aprendizagens (ele próprio). Tendo como base os valores invioláveis, uma vez que os quebra exaustivamente, algo de errado se passa com ele a nível intelectual. Como tal, os seus actos serão julgados por todas as pessoas da MESMA sociedade. É aqui que volta o adjectivo "mau". Para a sociedade, as suas atitudes estão erradas, são injustas, são más. Será então punido por tal. [ Como?

Alex sujeita-se a um tratamento, mesmo não sabendo em que consiste. Quinze dias seduzem-no mais do que catorze anos de prisão. O tratamento consiste, então, em ser exposto a formas extremas de violência, acompanhado pela incapacidade de parar de assistir, porque os seus olhos estão presos por um par de ganchos. Também é drogado antes de ver os filmes, para que associe as ações violentas com a dor que estas lhe provocam.

A discussão deste filme passa essencialmente pela avaliação moral (intenção e consequência) e pela avaliação do programa a que Alex foi submetido.
Sou da opinião do Zé quando digo que este tratamento «é desumano e tira a identidade, a autonomia e o livre arbítrio», segundo os meus valores morais! O ser humano é capaz de "optar pelo que lhe parece bom" e "conveniente". Embora Alex tenha "valores invioláveis" semelhantes aos de toda a sociedade, algo lhe permite tirar prazer de acções baseadas em opostos, sendo, portanto, "o que lhe parece bom", fazer algo incorrecto. Escolha esta, posteriormente, impossível.

O tratamento torna-o incapaz de qualquer acto de violência (nem mesmo em self defense). Como efeito secundário, também não consegue ouvir a 9ª Sinfonia de Beethoven, que era sua peça favorita. Achei particularmente curioso Anthony Burgess, o autor do livro, ter escolhido este compositor. Decidi ver se aparecia alguma coisa no dicionário de filosofia relativo a Ludwig Van Beethoven e deparei-me com: "Compositor alemão, cuja obra (nem clássica, nem romântica) é inclassificável segundo os cânones da estética tradicional, rebelde a toda a interpretação que lhe recuse a autonomia que o compositor reivindicou para si próprio ao longo de toda a sua vida.". Traços estes que reflectem algumas características psicológicas e comportamentais do protagonista, Alex.

A última questão importante a referir está mencionada no post do Sérgio, a avaliação moral. Acho que não é necessário acrescentar mais nada, sou da mesma opinião que ele. Embora ache que, como disse na aula, por exemplo, a nossa legislação conseguiu arranjar uma forma de avaliar a acção e puni-la através dos dois pontos de vista.


P.S.: Perdoem-me as imensas aspas.

Júlia

8 comentários:

  1. Ah :O, que patrão, o facto de escolher o beethoven por este estar associado ao alex devido a parecidas características psicológicas e comportamentais.

    Optimo comment e grande pesquisa. Parabens
    Ze

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  2. Faço de rangel do zé: assino por baixo.

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  3. Alex fazia parte de uma sociedade e, como tal, adquiriu os "valores invioláveis" desta, os "valores superiores" do seio familiar e, talvez, os "valores inferiores" através das suas aprendizagens (ele próprio)

    hum..eu acho que o problema dele é precisamente não ter adquirido os valores! Porque os valores, tal como o nome indica são coisas "a valorizar" e ele obviamente despreza-os! Ou seja, ele simplesmente adquiriu o conhecimento de quais são os valores que imperam na vida da comunidade onde ele se insere. Ao contrário dos seus pais ele não toma a bondade como uma coisa boa, etc.
    Os valores dele, que ele respeita, são os "não-valores" da maioria das pessoas.

    matwild

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  4. ia-te só bater palmas, mas a matilde tem um (a) point. é um bocado verdade.

    mary

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  5. maria, batemos palmas à mesma! clapclap!

    mat

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  6. Matilde, mas eu depois digo isto, mesmo a seguir:

    Tendo como base os valores invioláveis, uma vez que os quebra exaustivamente, algo de errado se passa com ele a nível intelectual.

    Daí a nós vulgarmente chamarmos uma pessoa que tire prazer de matar, na nossa sociedade, uma pessoa com problemas mentais. Algo não está bem. O problema se calhar não foi assimilar os valores. O problema foi agir segundo estes. É só uma hipótese.

    Júlia

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  7. * O problema foi [não] agir segundo estes.

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  8. Parabéns pelo texto! Conseguiste espremer muito bem a laranja! =D

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