quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Ainda sobre a tolerância

Apesar do filme poder não ter sido o mais apropriado para discutir a questão da tolerância, o debate foi animado e serviu os nossos objectivos. Era apenas o primeiro filme e não sabia qual poderia ser a vossa reacção.

O Zé coloca um problema interessante. Locke, na Carta Sobre a Tolerância falava sobre os limites da tolerância e esse problema tem sido recorrente na nossa sociedade. Até que ponto estamos nós dispostos a aceitar aquilo que é diferente?Concedemos facilmente que a música e a dança dos ciganos são factores de diversidade e de enriquecimento cultural, mas quando têm comportamentos anti-sociais como cagarem no chão, ou fazerem barulho a altas horas da noite (para não falar de questões mais graves) estaremos dispostos a tolerar?

Colocando a questão em termos mais gerais, ponho a seguinte pergunta: até onde vai a universalidade dos valores? Francesco Alberoni afirmava que não tinha dúvidas sobre a relatividade dos valores, mas que deveríamos agir como se eles fossem universais. Assim, nenhuma relatividade cultural nos permite defender violações grosseiras dos direitos humanos como a pena de morte, a tortura, a excisão ou o exemplo do apedrejamento até à morte de que falava o Zé no seu post. Mas quando se chega à situação do uso de véu pelas adolescentes francesas de origem muçulmana nas escolas francesas, o debate crispa-se e fractura-se muitas vezes de forma surpreendente com pessoas de esquerda a defender a proibição em nome da laicidade da escola pública e outras de direita a defender a permissão em nome do respeito pelas diferenças de tradição.
Entramos num terreno tipicamente filosófico onde as certezas são muito poucas e os problemas são muitos.

Jorge

6 comentários:

  1. "o debate crispa-se e fractura-se muitas vezes de forma surpreendente com pessoas de esquerda a defender a proibição em nome da laicidade da escola pública e outras de direita a defender a permissão em nome do respeito pelas diferenças de tradição"

    Não é bem assim, eu defendo que o possam usar de direita não sou certamente xD

    O meu ponto de vista em relação a estas questões difere muito do abordado. Para mim tudo isto são questões na esfera do combate individualismo-colectivismo, o que me leva a ser bastante assertivo na questão da relatividade de valores (até por uma questão antropológica e de laicidade).

    MAs podemos falar disso depois ;)

    Fjó

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  2. Pessoalmente, não vejo de que maneira o uso do véu nas escolas públicas ponha em causa a laicidade destas. O grande problema seria se a escola (pública) obrigasse alunos a ter determinados comportamentos religiosos, o que não é o caso. Aliás, se são permitidos comportamentos culturais de carácter cristão, como o uso de terços ou cruzes ao peito, não vejo porque razão fará sentido proibir o uso de quipás judeus ou do véu islâmico. Acho até que essa discriminação positiva à religião católica poderá ser uma atitude mais eclesiástica que a liberdade cultural islâmica nas escolas. O facto de um estado ser laico não tem que fazer dele intolerante, e, principalmente, discriminatório. Acho que a partir do momento em que atingimos a secularidade não faz qualquer sentido aceitar umas religiões e recusar outras.

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  3. A questão posta por partidos de esquerda não era bem essa. Eles defendiam que o uso de véu atrasava a emancipação feminina e que portanto devia ser proibido.

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  4. Mas ainda assim acho que não faça sentido ser proíbido. Não é o estado que as obriga a usá-lo. E, vivendo em Portugal, uma mulher que não use véu em público não será penalizada. A emancipação feminina atribui ás mulheres mais direitos, não lhe impõe restrições. Quando uma muçulmana utiliza o véu em público em Portugal fá-lo porque QUER respeitar a sua religião e não porque TEM que o fazer, como se passa nos países islâmicos. Obviamente que práticas como apedrejamentos e afins são selvagens e absurdas, e, num país civilizado como o nosso, não passa pela cabeça de ninguém tolerar tais "valores culturais", se é que lhes podemos chamar de tal. Mas acho que esse problema nem se coloca...

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  5. Penso estarmos todos em relativa concordância.

    A meu ver o estado não deve impor nem apoiar nenhuma organização religiosa. Não deve haver aulas de educação moral e religiosa, não deve ter crucifixos nas paredes e afins.
    Por outro lado, não deve opor-se a nenhuma prática religiosa por parte dos alunos desde que esta não choque com as praticas escolares. Ou seja, quem quer usar um terço usa, quem quer não comer e fazer o Ramadão faz, quem quer usar um véu usa. Isto, desde que seja possível identificar a dita aluna de alguma forma para não haver trocas ilícitas por exemplo durante uma prova ou exame.

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  6. Queria só deixar aqui o meu comentário porque tive a ler o do Queirós (este último).
    Concordo quando dizes que "uma muçulmana quando utiliza o véu em público em Portugal fá-lo porque QUER respeitar a sua religião e não porque TEM que o fazer, como se passa nos países islâmicos.". Claro, ela tem opção, tem escolha, tem a sua oportunidade.

    Mas depois dizes: «Obviamente que práticas como apedrejamentos e afins são selvagens e absurdas, e, num país civilizado como o nosso, não passa pela cabeça de ninguém tolerar tais "valores culturais", se é que lhes podemos chamar de tal». Não ponhas aspas nos valores culturais. São valores, tais como os nossos. São regras de penitência, de castigo.

    A questão aqui é, então, violar, ou não, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. E é nisso que nos devemos sobretudo concentrar.

    Nós, aqui mesmo em Portugal assistimos a um (e mais, com certeza) destes problemas. A tendência que adoptámos para gerir a habitação, a nível de imigração é, na minha perspectiva, uma das causas que despoletou esta difícil convivência entre a nossa e outras culturas; talvez também com a dos ciganos.

    O nosso plano para lidar com imigrantes é criar bairros para eles, especificamente para "eles". E construimos lá de tudo, escolas, lojas, mercados, farmácias, bancos. Damos-lhes tudo. Terá esta atitude uma segunda intenção? Uma intenção não tão preocupada com a tolerância entre culturas, mas, de modo intolerante, para o bom funcionamento da nossa?

    O problema de que falava há dois parágrafos é a prática da mutilação genital feminina (MGF). É um ritual que faz parte da cultura muçulmana,
    especialmente de vários países africanos e asiáticos. Viola, sem dúvida, os Direitos Humanos. No entanto, faz-se em Portugal, "num país civilizado como o nosso".

    O facto de agruparmos os imigrantes por culturas semelhantes, ou apenas diferentes da nossa, faz com que se desenvolvam nos bairros pequenas comunidades. Ficam assim algumas pessoas sujeitas aos mesmos rituais e hábitos que teriam no país de origem.
    No caso da MGF, que é um "dever para um muçulmano" (palavras de um muçulmano num artigo do jornal público), a "mulher que não é excisada, não presta". E tanto "não presta" no seu país, como "não presta" na sua nova comunidade. Facilmente se entende a tendência para a exclusão social na própria comunidade, que, obviamente, acarretará com problemas físicos e psicológicos para a mulher não excisada e, se calhar, para a família.

    A MGF é só um, grave, exemplo.

    Quero com isto concluir, que a solução que vejo, a nível de tolerância, é, primeiramente, centrarmo-nos em modificar culturas cujos alguns hábitos desrespeitem a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mostrar que não é "um dever" da religião ou da tradição, é uma tortura, um abuso sexual ou um desrespeito da dignidade. A pergunta é: como?
    Um das soluções que encontro para que possamos assistir a uma tolerância cultural por todas as partes, é juntando culturas. Juntar no sentido de distribuir equitativamente, em vez de criar bairros específicos, ou até agrupar uma cultura com poucas famílias de outras (como, talvez, no caso da Mariana, onde eram "só ciganos"). Talvez assim, os homens e mulheres venham a ter mais opção de escolha, uma vez que não sofrem exclusão social; pelo menos, não tão acentuada.
    Poder-se-iam adaptar à cultura e aos hábitos que preferissem. Pegando no mesmo exemplo, as crianças muçulmanas, juntamente com uma educação e percepção daquilo que é saudável, do que é dever e direito, poderiam vir a ter oportunidade para escolher.

    Talvez por isso, a família cigana que morava perto da casa do avós ou tios (desculpa, não me lembro) do Feijó fosse tão respeitada e
    respeitadora. É uma cultura diferente, mas como disse o Zé e a Maria, na última aula, a nossa liberdade acaba onde começa a dos outros. É só isso que temos, todos, de perceber.


    Júlia

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