quinta-feira, 25 de março de 2010

Viridiana

de Luis Bruñuel





Sinopse-Que-Supostamente-Vinha-Depois-Da-Ficha-Técnica-Mas-Que-Agora-Vem-Antes-Porque-A-Coisa-Técnica-Já-Não-É-Ficha


Viridiana é uma jovem freira prestes a professar. Antes de o fazer, a sua Madre Superior manda-a ir visitar o seu tio Don Jaime que lhe pagou os estudos e que é o seu único parente vivo. Viridiana diz preferir não ir, mas cede às ordens da Madre e viaja até à casa de campo do tio, onde o conhece, a Ramona – sua empregada, a Rita – filha de Ramona, e aos outros criados. Poucos dias depois de chegar, Don Jaime tenta seduzi-la sem sucesso, repetindo várias vezes quão parecida Viridiana é com a sua falecida mulher. Na véspera da partida da sobrinha, o proprietário desespera e pede-lhe que case com ele e que não saia mais da sua casa; Viridiana sente-se chocada com o pedido e repudia-o. Aí o tio, com a ajuda de Ramona, droga-a e leva-a para o quarto com pretensão de a violar, mas arrepende-se e acaba por não o fazer. Na manhã seguinte diz à freira que lhe tirou a virgindade e que, portanto, ela não pode voltar para o convento; mas, ao contrário do que esperava, Viridiana começa a fazer a mala ainda mais rapidamente e lança-lhe olhares de ódio. Jaime ainda lhe conta a verdade dizendo que não a violou, mas Viridiana não quer saber e parte para a aldeia para voltar para o convento. Don Jaime, ao ver isto, esboça um sorriso, senta-se à mesa escrevendo um novo testamento e suicida-se com a corda de saltar-à-corda de Rita.
A Madre Superior de Viridiana faz-lhe então uma visita em que fica a saber a decisão desta de não voltar para o convento: sente-se culpada da morte do tio e quer seguir o seu caminho sozinha.
Tendo herdado a casa com Jorge, o filho ilegítimo de Don Jaime há muito desaparecido, Viridiana acolhe todos os mendigos, pobres e pedintes da aldeia, dando-lhes uma cama (numa construção anexa), comida, conforto e começando a sua educação. Jorge, por seu lado, muda-se para a casa principal com a sua namorada mas tem, como o seu pai, uma paixão que não é correspondida pela sua prima. Com esta mudança, começam também as obras na propriedade ordenadas por Jorge.
O desenrolar final da história começa com a ida à cidade de Jorge, Viridiana, Ramona e de sua filha, que deixam a casa sozinha. Na ausência de supervisores, os pobres alojados deixam de trabalhar, combinam roubar um cabrito e, por fim, entram na casa principal. Deparando-se com um ambiente muito luxuoso, decidem jantar lá; mas na refeição acabam todos por se embebedar, dançando, vestindo-se com roupas de noiva (que pertenciam à mulher de Jaime), fazendo sexo e andando à pancadaria, tudo isto ao som da música religiosa Messiah de Handel (onde frequentemente se clama “Hallellujah, hallellujah!”). Antes destes acontecimentos, mas já com os mendigos bêbados, há a cena mais memorável do filme: os mendigos, a pedido de uma fotografia, sentam-se à volta da mesa imitando na perfeição a disposição dos apóstolos na Última Ceia de Leonardo Da Vinci.
Quando os donos da casa voltam entram em casa e deparam-se com este cenário. Jorge é atacado por um mendigo com uma faca e outro que lhe parte um garrafa na cabeça. Quando Viridiana o vai tentar ajudar, os mesmos dois mendigos subjugam-no e um tenta violá-la. Apenas não consegue porque Jorge suborna o outro para o ajudar a matar o mendigo que está por cima da jovem. A cena acaba com a chegada da polícia, que Ramona chamou.
No fim do filme, encontramos uma Viridiana muito diferente: tem o cabelo solto, uma camisa extrovertida e está a arranjar-se em frente a um espelho, ainda que com um ar desolado e triste e depois de limpar as lágrima. Bate à porta do quarto onde se encontra Ramona e Jorge. Este último convida-a a entrar, ao som de “Shake your Cares Away”, e a jogar uma partida de cartas com eles. Todo o monólogo de Jorge sobre o jogo dá a entender que fala de sexo, sendo última frase do filme é proferida por ele: “Não vai acreditar, mas a primeira vez que a vi disse a mim mesmo: a minha prima Viridiana vai acabar a “emparceirar” comigo”, dando a entender uma ménage à trois com os presentes.


Coisa-Técnica-Que-Primeiro-Era-Para-Ser-Uma-Ficha-Mas-Depois-Se-Transformou-Num-Texto-De-Desenvolvimento-À-Conta-Do-Nosso-Debate-Sobre-A-Importância-Da-Contextualização-Na-Avaliação-De-Uma-Obra



Viridiana é um filme espanhol de 1961, dirigido por Luis Bruñuel, produzido por Gustavo Alatriste e com a Silvia Pinal, Fernando Rey, Margarita Lozano e Francisco Rabal como actores principais. Tem a duração de 90 minutos e é a preto e branco. É considerado por muitos um exemplo do melhor cinema de Espanha, tendo ganho a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1961.
Luis Buñuel (1900-1983) é um conhecido realizador que, tendo nascido em Espanha, adquiriu nacionalidade mexicana em 1949 na sequência do seu exílio devido à tendência fascista que se verifica depois da Guerra Civil Espanhola. Teve uma rígida educação jesuíta no Colegio del Salvador, em Saragoça, onde, na sua adolescência, diz ter perdido a fé, tornando-se ateu. Esta sua posição tornar-se-ia importantíssima na sua vida e obra, que é marcada por uma forte crítica à religião católica, ridicularizando-a frequentemente. Em 1915 foi expulso do colégio.
Mais tarde estudou ciências naturais, engenharia e, por fim, filosofia na Universidade de Madrid. Instalado na famosa Residencia de Estudiantes, recebeu fortes influências cubistas, dadaístas e surrealistas e tornou-se amigo de Pepín Bello, Frederico García Lorca e Salvador Dalí. Foi com este último que produz, em França, o seu primeiro filme Un chien andalou. Este filme é também o seu bilhete de entrada para o grupo surrealista de André Breton.
Fugindo de Espanha no decurso da Guerra Civil Espanhola, Bruñuel foi para os Estados Unidos da América, onde chega a trabalhar como conselheiro e chefe de montagem do MoMA (Museum of Modern Art) em Nova Iorque. A história da sua demissão (ou despedimento?) não é clara, mas sabe-se ter sido na sequência do lançamento da autobiografia de Salvador Dalí (com quem tinha tido uma zanga), onde pintor afirma ter-se afastado de Buñuel por este ser comunista e ateu. Em 1946 vai para o México, onde adquirirá a sua nova nacionalidade.
Onde entra Viridiana no meio disto tudo? Em 1960, por razões de propaganda política, o ditador espanhol Franco manda o seu ministro da cultura convidar Bruñuel a voltar a Espanha e realizar um filme à sua escolha. O realizador aceita e produz Viridiana, partindo do país logo após terminar a sua produção. Após visualizado, as cópias do filme foram queimadas, mas uma delas conseguiu chegar a França, onde Viridiana foi premiado com a Palma de Ouro no Festival Cannes, causando um grande escândalo em Espanha.
O filme foi acusado de indecência e blasfémia pelo Vaticano, e no seu jornal oficial, l’Osservatore Romano, foi publicado um artigo dizendo que Viridiana era um insulto não só ao Catolicismo, mas ao próprio Cristianismo.
Para a produção deste, Bruñuel convidou o mexicano Gustavo Alatriste; foi o primeiro de três filmes que fizeram juntos. A actriz que faz de Viridiana, Silvia Pinal, era casada com este. Nascida em 1931 no México, fez carreira em filmes, na televisão e no palco, mas também na política: foi do Partido Revolucionário Institucional, pertencente à Internacional Socialista, no período inicial em que este estava no poder, o denominado Milagre Mexicano. Três anos depois de fazerem Viridiana, Gustavo e Silvia tiveram uma filha de nome Viridiana Alatriste Pinal.

Aquela-Parte-Mais-Gira-Em-Que-A-Gente-Pensa-Sobre-O-Que-Viu-E-Dá-A-Nossa-Opinião


Em termos de filosofia, o filme de Bruñuel é uma clara crítica à hipocrisia da moral da classe média e ao pensamento e valores da Igreja católica, temática recorrente nos seus filmes.
Comecemos por analisar a questão da hipocrisia da classe média, personificada por Don Jaime. Bruñuel critica o falso altruísmo e o falso seguimento de valores que esta personagem apresenta, por um lado mantendo uma imagem, pelo outro não correspondendo a esta. O primeiro indicador desta hipocrisia é nos dado quando Jaime salva uma abelha de se afogar, mesmo antes da noite em que droga e pretende violar a sua sobrinha. É-nos também dado pelo tio experimentar o vestido de noiva quando ninguém está a ver. Ou pela posição fatal em que coloca Viridiana quando tinha pretensões de a violar. O melhor exemplo desta crítica deverá será relação de Jaime e Ramona: num diálogo antes de drogarem Viridiana, a empregada diz está ao sérvio do proprietário porque ele as salvou (a ela e à filha) quando não tinham lugar para onde ir; na sequência disto, Jaime diz que se Ramona o ajudar a fazer com que a sua sobrinha fique, ele não se esquecerá delas (o que denota a hipocrisia no acolhimento da Rita e Ramona).

Passemos agora à análise do catolicismo a partir de elementos do filme. A religião e a sua suposta pureza são personificadas por Viridiana, cujo próprio nome nos remete para esta característica (significa “verde” em latim), uma jovem loira, bela e de pele fina, com umas pernas fantásticas mas sem o menor pingo de pecado ou desejo que fuja aos limites impostos por tão rígida religião. No entanto, esta jovem dorme com uma camisa áspera, no chão ou numa cama dura, limpa o próprio chão do quarto e tem uma cruz, pregos e uma coroa de espinhos na sua bagagem (objectos muito conotados com a igreja também pela música que os acompanha no filme). Estes elementos remetem para a crítica à penitência que Bruñuel faz. Talvez seja indicado, para percebermos melhor esta questão, fazermos uma citação do realizador, que refere “(…) uma aldeia que era demasiado pobre para poder ter uma igreja e um padre. Era um lugar sereno, porque ninguém sofria com a culpa. É da culpa que temos de escapar, não de Deus.”.
E religião é também criticada pela sua falsidade: Viridiana respeita todos os trabalhadores, mas é incapaz de tocar nas tetas de uma vaca por lhe fazer impressão (por sentir que é incorrecto?). A freira põe todos os mendigos e pobres a rezar, mas em paralelo os trabalhadores esforçam-se arduamente. Um momento muito simbólico de toda esta ideia é o sonambulismo de Viridiana: o ser mais puro de todos tem uma parte inconsciente que recolhe cinzas (símbolo da morte e da penitência) e as espalha na camada do anfitrião.
Penso que outra crítica que ainda é apontada é a da ingenuidade (consciente?) da religião católica. Enquanto o catolicismo continua a tentar ver os mendigos como “românticos e doces” (nas palavras do próprio realizador), a realidade mostra algo bastante diferente e até os criados vão embora não aguentando a injusta presença e recompensa destes.
Todas estas críticas se conjugam no filme apresentando uma jovem que se sente culpada por o seu tio, que a tentou violar, se ter suicidado; que apesar de sair do convento continua subserviente perante os seus superiores (Viridiana: “Desculpe se a ofendi.” Madre Superior- “Estás desculpada”); que dá esmola a um mendigo que se recusa a aceitar as mínimas regras de educação e que acolhe pobres que marginalizam outros pobres. Tão ridicularizada é ela, que os próprios mendigos comentam: “Esta senhora é a bondade em pessoa, mas um pouco chalada”.
O clímax de todas estas críticas (e do próprio filme!) é, obviamente, o final. A perversidade com que é dada a volta à situação deixam preto no branco toda a ingenuidade de Viridiana, e é acompanhada de frases chave proferidas pelos indesejados hóspedes: “Onde viste em mim más intenções?” diz a pobre que não trabalha quando a Señorita não está presente; quando um mendigo tenta violar Enedina o responsável Dr. Zequiel comenta “Deixem-nos pecar. É melhor, para se arrependerem depois”; o comentário do pedinte cego ao sair da casa destruída na presença de Jorge e Viridiana “Benditos os senhores que acolhem na sua casa um pobre cego indefeso. Que Deus lhes pague!” e, por fim, o que o mendigo “leproso” diz quando Viridiana está prestes a ser violada “Não lhe vai acontecer nada. Aqui somos todos gente de bem!”.
Sem esquecer, claro, a cena que já por si vale o filme inteiro: A Última Ceia dos Mendigos; tirada pela máquina “que me deram os meus pais”, segundo a mendiga. Queria Viridiana, e a religião católica, continuar a ver apóstolos em pedintes?
E tudo isto acontece à jovem que estava tão certa a sua fé que estava a um passo de fazer os seus votos.

Pessoalmente, e embora seja ateu, não tenho uma opinião formada sobre a religião: se por um lado à partida recusaria qualquer tipo de teísmo por serem formas de pensamento baseadas em dogmas, por outro reconheço que há religiões muito diferentes umas das outras (há religiões menos dogmáticas e mais abertas à ciência, por exemplo) e que a religião foi o exponente do colectivismo durante vários milénios.

Outra figura que será de interesse referir é Jorge. Penso que em grande parte representa a própria figura e ideologia de Bruñuel: não liga à religião (“não ligo a beatices. (…) para estar com quem quero não preciso da bênção de ninguém”),é capaz de acções altruístas sem ser conduzido por um ideal dogmático e sendo mais realista que a freira (compra o cão atado à carroça mas também comenta com Viridiana que esta “não pode salvar todos”) e é abertamente machista (a forma como o filme acaba, a maneira como trata a sua namorada e Ramona, a associação entre o beijo com Ramona e um gato que apanha ferozmente um rato), um traço também próprio de Bruñuel.

Por fim gostava ainda de fazer notar o elemento que, a meu ver, remete para a natureza mais perversa dos filmes de Bruñuel e da leitura que faz da vida: a corda de saltar à corda. Esta, inicialmente nas mãos da pequena e inocente (ainda que atrevida) Rita, é depois utilizada pelo tio para se enforcar. Logo aqui há um enorme peso simbólico na associação de dois conceitos antitéticos – inocência e suicídio. A perversidade aumenta quando compreendemos que Rita volta a saltar à corda com a mesma corda por baixo do sítio onde Jaime se suicidou e que esta é ainda utilizada como cinto do mendigo que tenta violar Viridiana mais tarde, sendo este o objecto que a jovem agarra para, sem sucesso, afastar o violador.
No final do filme, encontramos uma Viridiana diferente com o cabelo solto e camisas extrovertidas. Aparece-nos também muda, com uma lágrima no canto do olho e uma feição geral de desorientação. A meu ver, esta última cena representa a o reconhecimento do falhanço da religião católica por parte de Viridiana, que se deixa levar por Jorge por não conhecer as relações sexuais – ela não sabe “jogar”.
Gostei muito deste filme porque o acho rico em conteúdo intelectual e em simbolismo visual. Não sendo confuso e labiríntico, mas tendo muito sobre o que pensar, permite ao espectador aproveitar a sua beleza e genialidade imediata. Apreciei muito também o ambiente geral do filme que parece gozar e ser pessimista ao mesmo tempo, e que coloca dúvidas importantes sob novas perspectivas. Penso que não o posso dizer de melhor maneira do que François Truffaut: “Bruñuel is a cheerful pessimist, not given to despair, but he has a sceptical mind… (…) Bruñuel teaches how to doubt.”.




Pedro Feijó,
Nº20
12ºA
Esta não é a versão final do trabalho que entreguei. Mas esqueci-me de gravar a entregue xD

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