quinta-feira, 25 de março de 2010

Palombella Rossa

Ficha Técnica do Filme
· Director/Realizador: Nanni Moretti
· Actores Principais: Nanni Moretti, Silvio Orlando, Mariella Valentini, Alfonso Santagata, Claudio Morganti, Asia Argento, Eugenio Masciari, Mario Patanè, Antonio Petrocelli, Remo Remotti, Fabio Traversa, Giovanni Buttafava, Gabriele Ceracchini, Luisanna Pandolfi, Imre Budavari, Mauro Maugeri e outros…
· Ano: realizado em 1988, exibido em 1989
· País de Origem: Itália
· Características específicas: Imagem a cores, 87 minutos de duração.
Sinopse
Em Palombella Rossa Nanni Moretti dirige e encarna a sua já conhecida personagem Michele Apichela, um dirigente do Partido Comunista Italiano e jogador de pólo aquático.
O filme começa com um acidente de carro do protagonista, ocasionado por uma brincadeira com crianças, que causa a sua perda de memória. O restante filme é composto por narrativas alternadas sendo a principal, e a que está a acontecer em tempo real, o jogo de pólo aquático entre a sua equipa, Monteverde, e a equipa adversária, composta de homens mais fortes e maiores, Acireale. Durante os períodos em que não está a jogar várias pessoas interpelam Michele incluindo uma jornalista desportiva que está a fazer um artigo político, dois homens que lhe oferecem bolos e apresentam uma posição muito assertiva, mas ao mesmo tempo vaga, de como resolver os problemas do PCI, um sindicalista de barbas e um homem católico que pretende o diálogo entre Michele e o seu grupo religioso. Alternando com esta realidade presente, aparecem as memórias que Michele vai recuperando ao longo do dia e que incluem a sua iniciação ainda em menino no desporto de pólo aquático, a sua junção, na adolescência, ao PCI e um episódio que lhe causou problemas causado pela sua paixão por doces.
No final do filme Michele falha o remate que faz a sua equipa perder o jogo. Falha-o por uma incerteza no momento. No dia seguinte, ao voltar para casa, tem uma acidente de carro com a filha numa colina. Ao sair do carro, vários seus conhecidos – camaradas, colegas de equipa, e até ele próprio e a sua mão nas suas memórias – começam a descer a colina na sua direcção, mas ao aparecer um falso sol que se ergue no cimo da colina todos eles se viram e tentam alcançar o sol com uma mão tirando um dos pés do chão.

Principais conceitos filosóficos abordados
Como ver o Comunismo na sociedade de hoje? Qual o papel dos Partidos Comunistas no panorama político da altura, particularmente no italiano? Qual a importância da história na construção e na existência do indivíduo, do partido e da ideologia?
Estas são as principais questões filosóficas abordadas no filme Palombella Rossa que, no fundo, convergem numa só: “Che significa ojje essere comunista?”.

Mas antes de passar a esta questão gostava ainda de referir outro tema que é tocado por Moretti: a importância das palavras no discurso político e na vida em sociedade.
Não escapa a ninguém que o protagonista, tal como a filha, têm uma sensibilidade tremenda no que toca a escolher as palavras “erradas” para falar; Michele chega mesmo a dar estalos à jornalista por usar estrangeirismos ou palavras mal integradas no discurso.
“Le parole sono importanti”, diz, e são! Penso que podemos considerar até que as palavras são a medida da realidade no que toca à sociedade, um vocabulário diferente é uma forma diferente de ver o mundo em que vivemos. Isto porque é nas palavras que se baseia a comunicação e a transmissão de ideias. Numa realidade que é contínua no que toca à sua diversidade e em que não há separações pré-definidas, a construção de conceitos limita o entendimento das realidades representadas por esses mesmos conceitos. E essas limitações no entendimento, embora devam ser combatidas em muitos casos, são muitíssimo necessárias pois sem elas seria impossível a transmissão de pensamentos, de ideias.
Quando chegamos a este ponto em que reconhecemos as palavras como as limitações dos conceitos com os quais a mente joga pelo método da razão, torna-se lógico que a utilização precisa do vocabulário é fundamental na vida política e na transformação social. Um exemplo: em Portugal uma das grandes vitórias do movimento LGBT na última década foi conseguir trocar a utilização vulgar do termo “opção sexual”para “orientação sexual”, o que obviamente altera a forma de pensar sobre a questão.
Não é de estranhar, portanto, a reacção agressiva de Michele quando o jogador adversário comenta que o pólo aquático “não é um jogo para meninas”: se as palavras mudam a sociedade, também as expressões populares o fazem, neste caso perpetuando um estereótipo machista da inferioridade das mulheres.
Ninguém o explica tão bem como o próprio protagonista: “Quem fala mal pensa mal, e vive mal”.

É óbvio que esta questão não aparece completamente deslocada na história. Ela simboliza, tal como muitos outros elementos no filme, a dificuldade e a recusa do PCI em evoluir e em adaptar-se à actual sociedade italiana. Esta dificuldade deriva, em grande parte, desse peso da história já referido.

Voltemos então à questão central: O que é ser comunista hoje? Nanni Moretti é brilhante no que toca à apresentação desta questão. Todo o filme gira a volta da memória e da história do indivíduo e do PCI como parte da sua própria essência, sendo que os dois são, no fundo, o mesmo – Michele personifica as incertezas, as dúvidas e a esquizofrenia histórica que assaltam o PCI. Um dos episódios em que isso se evidencia é a memória de Michele do encontro com um amigo seu, em que este lhe pergunta porque se tornou comunista; “Primeiro porque acho que é justo. Segundo, porque não nos sentimos isolados, estamos com pessoas que acreditam como nós em certas coisas, e as dizem como nós e connosco. Fazemos parte de um movimento que avança em todo o mundo. Vemos o que é esta realidade e tentamos transformá-la, porque amamos a humanidade, a verdadeira, e fazemos com que venha à luz”.
Esta, que é a verdadeira essência do pensamento comunista no seu início, contribui para a esquizofrenia histórica de Michele (do PCI) visto que é confrontado com os seus erros passados (o caso do fascista que obriga a dar a volta à escola enquanto lhe cospem em cima e o empurram) e com a opinião pública actual relativa ao PCI que é o oposto disso: “São um partido a refazer, desapareceram, flutuam a meia área. (…) Falta-vos identidade, têm pelo menos três almas. São um partido inútil e inócuo.”, “Qual a sensação de estar num partido agora em declínio?”, “É a ideologia corrente que as pessoas estão bem, que o Partido Comunista já não tem razão de existir, que o capitalismo é uma sociedade que mostrou estar em condições de resolver as suas contradições”.

Não é por acaso que Nanni realiza este filme em 1988. Em 1976 o Partido Comunista, nascido em 1921, teve quase 35% dos votos e em cima da mesa estava uma proposta de união com a Democracia Cristã que provavelmente levaria ambos os partidos ao poder. Esta união não se realizou porque o líder da DC foi assassinado pelas Brigadas Vermelhas, uma organização guerrilheira comunista, o que rompeu a aproximação que se vivia entre os dois partidos. (Mais tarde soube-se que por trás do golpe esteve a CIA, que ao serviço do Governo Norte-Americano tinha o objectivo de impedir que o PCI chegasse ao poder). Dez anos depois a posição em que se encontra o PCI é equivalente à dos Partidos Comunistas de muitos outros países: o enfraquecimento, e a próxima queda, da URSS começam a revelar o estado de vida e a falta de liberdades na união comunista fazendo com que parte da opinião pública, os media e vários intelectuais comecem a considerar o Comunismo morto, enquanto ideologia política.
E é nesta situação dos Partidos Comunistas que Moretti consegue captar toda a história e todo o dilema de Apicela e do PCI. Em 1991, três anos depois de o filme ter sido feito, o Partido Comunista Italiano dissolveu-se dando origem a três outros partidos.
Este panorama político e a relação com a queda da União Soviética é nos também dada por referências muito temporais como o filme que passa no televisor do pequeno quiosque, Dr. Jivago. É uma história de amor impossível, com a revolução russa em pano de fundo, entre uma mulher e um homem de classes sociais distintas. A despedida entre os dois devido à partida dela causada pela guerra é motivo para Michele levantar o pulso, em saudação comunista.

Será também de analisar a metáfora do jogo de pólo enquanto jogo político. Esta não nos é só dada pelo diálogo final com o teólogo (“Ser comunista (…) é um campo de jogo, é uma piscina”) mas também nos é induzida pela dinâmica geral do filme e por alguns momentos como aquele em que Michele grita ao guarda-redes da outra equipa “Porquê todo esse medo de nós? Somos uma força como as outras. Somos iguais, embora sejamos diferentes”. Equipa comunista contra a equipa da sociedade actual, que proíbe o seu avanço. A equipa dos mais fortes, dos maiores, contra a equipa que se inspira com o “I’m on fire” do Bruce Springsteen. E o protagonista que embora desnorteado quer sempre entrar em jogo. No penalty decisivo do jogo Michele pergunta a um adversário se não sente pena de si. A resposta é uma forte cabeçada.

À volta o público, os anjos, que estão a torcer pela equipa de fora mas que não estão contra Michele e os Monte Verde, que os olham, que gritam, que berram… e cada silêncio é um golo. Esses anjos que por vezes gritam “Michele estás tramado, o jogo está perdido”, por outras entoam com ele músicas de esperança.
“Há 30 anos que ando dentro de água. (…) Cuidado com a água. Já não tenho sabor do que como (…) O jogo correu como correu… Esperava mais da vida. Mais e melhor. Ainda que esta pizza, este balneário, (…) os jogos fora, os autocarros, os restaurantes, o público que nos insulta, que nos cospe, os pontapés do adversário, tudo isso é belíssimo.”


O que significa ser Comunista hoje?, mantém-se a pergunta. Ao longo do filme são várias as respostas personificadas que vêm ter com Michele: o sindicalista de barbas, o católico persistente, os “tímidos” homens dos bolos que querem denunciar os males do partido e se apresentam como um “mundo diferente” do de Apicela e, por fim, o teólogo para quem o comunismo é uma sensação de totalidade, e uma crença. Mas a verdadeira resposta para Michele é a sua própria concepção, as suas memórias e também a mudança para a aproximação da visão que tinha do comunismo quando entrou para o PCI.
Ser comunista hoje significa ter noção da evolução do mundo que nos rodeia, significa apercebermo-nos da necessidade da evolução do vocabulário e das teorias comunistas. Significa por em causa o próprio marxismo e nunca deixar de ter uma postura crítica que questiona mesmo as bases que se apresentam mais fortes. Por outro lado, significa aceitar que nem tudo o que se auto-intitula comunista corresponde ao nosso próprio ideal e que é preciso repudiar as formas de sociedade emergentes que castram a liberdade dos indivíduos pela intolerância ou que escondem modelos económicos mais exploradores que o capitalista.
Não se deve esquecer, no entanto, esse sentimento de que Michele nos fala. Ser comunista é querer o bem comum, é querer fazer sobressair a verdadeira humanidade das pessoas. É acreditar no poder da democracia e no colectivismo como a forma mais justa e benéfica de viver em sociedade. É lutar contra as acções e os modelos individualistas e hegemónicos.
Sim, lutar. Porque as revoluções não são como as maçãs que caem das árvores, é preciso arrancá-las, já dizia Che Guevara.
Opinião pessoal sobre o filme
De todos os filmes que vimos nas aulas de Filosofia e Cinema, foi o de que mais gostei. Trata-se, no entanto, de um filme que nos toca muito mais a um nível emocional do que a um nível racional. Isto porque é tão recheado de simbolismos que os elementos começam a fazer sentido na nossa compreensão muito antes de percebermos, racionalmente, o que representam.
A imagem está muito bem construída e o cenário principal é muito dinâmico. As cenas em câmara lenta são de uma enorme beleza e a música está muito bem escolhida.
O único grande problema que tenho a apontar ao filme é o de ser de uma grande restrição temporal, pelo que para o compreender a um nível mais aprofundado é necessário um estudo prévio sobre algumas características de um filme. Sem esse estudo nunca teria percebido o significado de elementos importantes como o filme Dr. Jivago ou a música de Bruce Springsteen.
No final, é um filme que me deixa muito triste, embora seja uma tristeza de um reconhecimento de uma beleza e de um significado absoluto. A cena final em que todos tentam alcançar o sol, convictos mas em equilíbrio precário, e em que a criança se ri da situação faz-me lembrar a história do “Rei vai nu”, em que apenas a ingenuidade vê a verdade. Um pouco doloroso ver a verdade a rir-se do que todos querem alcançar e de aquilo em que todos acreditam quando acreditamos nisso também…



Pedro Feijó
Nº20 12ºA

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