sexta-feira, 21 de maio de 2010

Sweet Movie (1974)

Sweet Movie (1974)
Realizador: Dusan Makavejev
Argumentista: Dusan Makavejev
Elenco: Carole Laure, Pierre Clémenti, Anna Prucnal, Sami Frey, Jane Mallett, Roy Callender, John Vernon, Otto Muehl, entre outros
Direcção de Fotografia: Pierre Lhomme
Edição: Yann Dedet
Banda-Sonora: Manos Hatzidakis e Dusan Makavejev
Género: Ultrapassa géneros… quando muito, pode ser considerado uma comédia dramática, ou um drama cómico, com elementos de crítica política.
Países de Origem: Canadá, França, Alemanha Ocidental
Idioma: Inglês/Francês/Polaco/Espanhol/Italiano
Cor: A Cores
Classificação Etária: Banido em vários países, restringido a maiores de 15 na Suécia, maiores de 16 na Holanda e maiores de 18 nos restantes territórios.
Duração: 98 minutos



Resumir Sweet Movie em meia-dúzia de linhas é, para além de obviamente redutor, infrutífero – não se pode dizer que Sweet Movie esteja assente sobre uma premissa à partida estabelecida, do género “um grupo de robôs alienígenas ataca a Terra, cabendo a outro grupo de robôs alienígenas, que está do lado do Bem [o que quer que o lado do Bem seja] defender os Estados Uni… o Planeta.” Cada interpretação desta estranha – mas deliciosa - obra originará uma sinopse diferente. Para mim, esta é, na sua forma básica, a história de duas mulheres: uma Miss Canadá que experiencia os malefícios do capitalismo extremo e as loucuras do anarquismo; a bordo de um barco com a figura de Karl Marx à proa, a outra mulher, a comunista Anna Planeta, alicia meninos e homens com os seus irresistíveis doces, para depois os trair… com a morte. Claro está: esta é apenas a minha interpretação – para outras pessoas, esta pode ser uma obra totalmente desconexa, apenas um trecho dos filmes exibidos a Alex no decorrer da sua lavagem cerebral, n’A Laranja Mecânica, ou um videoclip de longa duração da Britney Spears… por outras palavras, um atentado aos sentidos.

Contudo, nada disso implica que, com maior ou menor dificuldade, não se consiga retirar conteúdo filosófico desta obra – mais que não seja sobre a própria existência de filmes desta índole. No meu caso, após um longo período digestivo, consegui reduzir o filme a um problema central: todos nós comemos, divertimo-nos, convivemos com outros humanos, necessitamos de certos bens materiais… qual será o sistema mais propício à execução dessas tarefas e obtenção de recursos, sob que égide devemo-nos reger: comunista, capitalista, anarquista…?

Em vez de oferecer a sua resposta ao problema, Makavejev deixa que o espectador formule as suas próprias conclusões, mostrando visões caricaturadas e simbólicas do capitalismo e comunismo (como não existem regimes que sigam estes ideais na sua totalidade, o realizador jugoslavo vê-se obrigado a figurá-los) e recria com exactidão – e com a ajuda do artista plástico Otto Muehl – o quotidiano de alguns movimentos anarcas. O resultado é toda uma imagística radical, chocante e provocante, em que tão cedo nos deparamos com pénis dourados como com cenas de pedofilia, coprofagia e emetofagia, imagens verídicas das vítimas do massacre polaco de Katyn e cenas de sexo no meio de açúcar. Aparente apologista das máximas “shock value is entertainment value” e “a brincar é que nós aprendemos”, Makavejev leva-as ao extremo, enojando uns (a maioria daqueles que comigo visualizaram este Filme Doce) e divertindo outros (como eu) com o propósito de despertar o seu público de um marasmo mental. No fim, caso não tenhamos uma opinião anteriormente formada sobre o assunto, poucos dados teóricos teremos para compor uma posição firme. Mas, de uma forma ou de outra, teremos sido intensamente movidos por este filme, o que por si só já é muito positivo.

Justaposta à temática política temos a não menos importante componente psicológica. Ao analisar atentamente o filme, deslindei um subtexto Freudiano bastante curioso – por exemplo, o despertar da Miss Canadá no seu convívio com os anárquicos parece seguir as teorias do psicanalista, com as fases oral, oral canibalística, anal, fálica e genital a sucederem-se umas às outras de forma mais ou menos demarcada. Qual a importância desta simbologia? Honestamente, não sei. Tal como não estou certo de ter captado o sentido de muitas outras cenas – a cena em que a Miss Canadá cede aos pedidos incessantes do seu captor e, lambendo-lhe a cara, dirige-se ao público afirmando “It’s sweet” ; o ressuscitamento das crianças assassinadas por Anna Planeta; o pénis dourado, na primeira cena de sexo do filme…

No entanto, isso não me impede de admirar o filme e, consequentemente, o engenho de Dusan, que mestramente o realizou e escreveu. Qual Anna Planeta, Makavejev conduz a sua história sem um rumo aparente, ao sabor das loucuras das suas excêntricas personagens, interpretadas por um elenco de nomes relativamente desconhecidos, entre os quais se destaca a dupla de protagonistas do barco comunista, Pierre Clémenti e Anna Prucnal, e ao som da excelente banda-sonora co-composta pelo realizador e por Manos Hatzidakis. Pelo caminho, depara-se com alguns percalços – no meio de tanta loucura, no meio de tanto cenário retro-futurista, a edição acaba por destoar pois, apesar de competente, peca pelo excesso de simplicidade; e Carole Laure, a Miss Canadá, oscila entre a apatia desmedida e o dramatismo exacerbado, nunca actuando no registo certo. Mas no final, Makavejev aporta Sweet Movie num destino bem seguro – a memorabilidade.

Um argumento ousado, temáticas polémicas… à primeira vista, parece um qualquer filme português patrocinado pela SIC. Mas o que a estes últimos falta, Sweet Movie possui para dar, vender e trocar – muito engenho, doses saudáveis de demência (ou serão de genialidade?) que apimentam o conjunto e, acima de tudo… qualidade. Muita qualidade.

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