sábado, 8 de maio de 2010

Ainda sobre o Via Lactea de Buñuel

Deixo-vos aqui o texto de um post que um camarada meu escreveu no nosso Fórum de Jovens do Secundário do BE. Faço-o para o caso de alguém querer continuar o debate sobre religião e também porque vos dei informações erradas sobre o que é o "anti-teísmo". Espero que este texto esclareça algumas dúvidas e abra de novo o debate :) (no nosso fórum o mesmo debate já dura desde Janeiro xD).
O ateísmo não é uma posição positiva*, afirmativa, mas sim uma posição negativa, de rejeição. Basta ver a sua etimologia: a-teísmo, não-crença. Ateísmo não é acreditar que deus não existe, é não acreditar que deus existe. A analogia usual é que, se o ateísmo fosse uma crença, não-coleccionar selos seria um hobby e careca seria uma cor de cabelo. Pode parecer que não, mas isto é uma diferença muito significativa. Porquê? Porque o ateísmo, ao contrário do teísmo, ao não fazer nenhuma afirmação (limitando-se a fazer uma rejeição) não pode, pela sua própria natureza, ser responsável por motivar uma atitude. Não tem o potencial de que estávamos a falar, nem para o bem, nem para o mal.
Foquemo-nos agora no teu exemplo de um ateu fanático que queima igrejas. Dir-me-ás tu que ele foi motivado pelo ateísmo, o que negaria a minha afirmação de que, pela natureza negativa do ateísmo, é logicamente impossível estabelecer uma ligação causal entre o ateísmo e atitudes fundamentalistas (ou humanitárias, a coisa funciona nos dois sentidos). Contudo, analisemos mais detalhadamente o caso. Terias de procurar muito pela história até encontrares ateus a queimar igrejas: de facto, um dos poucos ambientes em que encontrarias isso seria nos «fascismos vermelhos» (stalinismo, maoismo, juche e outros que tais). E o que tem isto de relevante? Tem de relevante que o que movia os nossos fundamentalistas ateus não era o ateísmo per se, mas sim a ideologia fundamentalista sob a qual agiam. Toda e qualquer ideologia, quando radicalizada, difere pouco, na sua natureza, de uma religião: é uma crença positiva (positiva no sentido de afirmativa, como no parágrafo anterior). O que motivou esses fundamentalistas não foi o ateísmo em si mas a retórica stalinista, e isso, Feijó, é uma crença.
Outro ambiente onde encontrarias ateus a queimar igrejas? A Revolução Francesa... Mas além de ateus, chamamos a essas pessoas antiteístas (ou anticlericais, que é um conceito parecido, embora não idêntico). O antiteísmo, claro está, ao contrário do ateísmo, já é uma crença positiva: não é a mera rejeição do teísmo, mas a crença que este é mau. Neste caso, estamos perante uma crença que pode motivar actos fundamentalistas.
Não pretendo afirmar que toda a crença dogmática é religiosa; mas toda a crença dogmática, seja religiosa ou não, é perigosa, por ter potencial para levar à acção radical. Também não quero parecer demasiado extremista, e afirmar que esse potencial é necessariamente grande -- eu próprio sou abertamente antiteísta, que é uma crença positiva. Mas o que afirmo é que, quando cultivado e partilhado de forma quase zombie-like como no caso das religiões, este potencial se torna exponencialmente perigoso.
Há outro aspecto que torna a religião uma crença particularmente perigosa, e isso é o facto de se basear em ideias não suportadas por evidência (claro que muitas crenças não são suportadas por evidência, mas para a maioria delas há eventos que, se acontecessem, nos convenceriam de que não são verdadeiras -- são falsificáveis --, o que raras vezes acontece nas religiões). O próprio conceito de fé, tão valorizado nas religiões (e não por acaso) consiste em acreditar em algo sem evidência para tal. Outra palavra para isto, por muito que possa custar a admitir, é dogma: uma verdade absolutamente aceite e inquestionável. Quando uma pessoa tem uma certeza absoluta de que tem razão, isto torna-a uma pessoa terrivelmente perigosa.
* Positiva no sentido de activa; negativa no sentido de passiva. Neste contexto, positiva não significa «boa»; isto é, não há juízos de valor associados à palavra.
Por Gil H.

4 comentários:

  1. Obrigado pelo esclarecimento, mas ainda tenho algumas dúvidas. Na linguagem corrente chama-se de ateísmo ao antiteísmo e agnosticismo ao ateísmo, segundo as definições que nos apresentas e que acredito terem uma maior validade que aquelas usadas no dia-a-dia. No entanto, o que é, então, um agnóstico?

    Tentei informar-me na internet e o termo "agnosticismo" está bastante explicitado na sua origem etimológica.

    «"Agnosticismo" derivou-se da palavra grega "agnostos", formada com o prefixo de privação (ou de negação) "a-" anteposto a "gnostos" (conhecimento). "Gnostos" provinha da raiz pré-histórica "gno-",que se aplicava à idéia de "saber" e que está presente em numerosos vocábulos da língua portuguesa, tais como cognição, cognitivo, ignorar, conhecer, ignoto, ignorância, entre outros.»

    Segundo esta "definição", creio ser possível equiparar o conceito de agnosticismo aos de cepticismo e pirronismo, como aprendemos no ano passado em filosofia. O agnosticismo é, portanto, a crença de que nunca será possível atingir o conhecimento absoluto sobre algo, neste caso em concreto, sobre a existência de entidades metafísicas. Ora, isto não invalida a definição que nos deste de ateísmo, visto que uma possa pode crer que não há qualquer fundamentação para a sua crença teística e tê-la na mesma. Como o termo que creio ter sido usado pelo Hume para o problema do conhecimento, o agnóstico pode ter apenas um "cepticismo moderado", ou seja, achar que é impossível fundamentar a crença do conhecimento, mas crer nele na mesma.

    Ora se isto é possível, então podem-se distinguir vários tipos de agnósticos, e citando da wiki:

    Agnosticismo Estrito - (também chamado de agnosticismo forte, agnosticismo positivo, agnosticismo convicto ou agnosticismo absoluto) a idéia de que a compreensão ou conhecimento sobre deuses ou o sobrenatural se encontra totalmente fora das possibilidades humanas e que jamais tal será possível. Um Agnóstico Estrito diria "Eu não sei e você também não".

    Agnosticismo Empírico (também chamado agnosticismo suave, agnosticismo aberto ou agnosticismo fraco) — A idéia de que a compreensão e conhecimento do divino ou sobrenatural não é até ao momento possível mas que se aparecerem novas evidências e provas sobre o assunto tal é uma possibilidade. Um Agnóstico Empírico diria "Eu não sei. Você sabe? e há ainda outros tipos de agnosticismo, mas vejam lá http://pt.wikipedia.org/wiki/Agnosticismo

    Estando definidos todos estes termos, creio que só falta clarificar outra das tuas "confusões" daquele debate. Aquilo que na altura definiste como antiteista é o chamado deísta: Alguém que admite a existência de um Deus ou uma entidade superior, mas que simplesmente não o associa a qualquer religião. Este deísmo é uma categoria especifica do Teísta, alguém que crê na existência de Deus, ponto.

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  2. Acrescento ainda ao que disse sobre agnosticismo outro ponto. Pode haver agnósticos teístas e antiteístas. Os primeiros, apesar de negarem a possibilidade de certeza da Sua existência, acreditam nela. Os segundos, negam a possibilidade e, como os ateus definidos pelo Gil H., rejeitam a Sua existência, de forma passiva.

    Para além destes tipos de fé, há ainda o Panteísmo : A crença de que Deus é tudo e de que se manifesta através da natureza e do universo. Que, ao contrário daquilo que os deístas defendem, Deus não criou o mundo nem nele intervém. Apenas que o mundo é a sua forma de expressão. Esta doutrina não rejeita a ciência.

    Temos também o Panenteísmo: «Panenteísmo (pan-en-teísmo), ou krausismo, é uma doutrina que diz que o universo está contido em Deus (ou nos deuses), mas Deus (ou os deuses) é maior do que o universo. É diferente do panteísmo (pan-teísmo), que diz que Deus e o universo coincidem perfeitamente (ou seja, são o mesmo). O termo foi proposto por Karl Christian Friedrich Krause, na sua obra System des Philosophie (1828), para designar a sua própria doutrina teológica que pretendia servir de mediação entre o panteísmo e o teísmo. O termo passou a ser utilizado para designar múltiplas tentativas análogas, extravasando o sentido original que lhe fora atribuído por Karl Krause[1].»

    e o Pandeísmo: uma mistura entre o Deísmo e o Panteísmo: http://en.wikipedia.org/wiki/Pandeism e mais uma parafernália de doutrinas metafísicas sobre a qual não sei absolutamente nada mas que podem procurar aqui http://en.wikipedia.org/wiki/God

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  3. Perdão, * agonósticos teístas e ateístas

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  4. É um óptimo filme :)
    Boa sorte para o vosso trabalho.

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