domingo, 16 de maio de 2010

Oldboy - Velho Amigo

Oldboy (2003)

Realizador: Park Chan-wook

Argumentista: Garon Tsuchiya (história), Nobuaki Minegishi (banda-desenhada), Hwang Jo-yun, Lim Chun-hyeong, Lim Joon-hyung e Park Chan-wook (argumento)

Elenco: Choi Min-sik, Yu Ji-tae, Kang Hye-jeong, Ji Dae-han, Oh Dal-su, entre outros

Direcção de Fotografia: Jeong Jeong-hoon

Edição: Kim Sang-beom

Banda-Sonora: Shim Hyun-jung

Género: Drama/Thriller/Mistério

País de Origem: Coreia do Sul | Idioma: Coreano

Cor: A Cores

Duração: 120 minutos

A partir de uma premissa em tudo Kafkiana, Park Chan-wook entrega-nos uma tragédia que põe em causa a verdadeira natureza do Homem, sem quaisquer medos ou pudores. Segunda parte da Trilogia da Vingança, antecessor de Sympathy for Lady Vengeance e sequela de Sympathy for Mr. Vengeance, Oldboy não é de forma alguma uma obra leve – mas é, sem dúvida, uma obra-prima.

*

Após uma noite de farra, um homem chamado Dae-su é raptado e trancado num quarto “tipo” hotel. Dae-su nunca sabe os motivos por detrás da sua abdução e em momento algum contacta com um ser humano – os bolinhos de massa fritos que constituem a totalidade da sua alimentação são-lhe entregues através de uma estreita ranhura. Ocasionalmente, alguém gaseia o quarto – quer para impedir o suicídio do prisioneiro, como para lhe cortar o cabelo e proceder a uma necessária muda de roupa. Os seus dias são passados a praticar boxe e a tatuar no próprio corpo os momentos agonizantes deste cativeiro, frequentemente marcados por alucinações e delírios.


Certo dia, descobre através da televisão – único meio de contacto com o mundo exterior - que a sua mulher foi assassinada e a sua filha remetida para a adopção; mais ainda: ele é considerado o único suspeito do sórdido crime (havendo provas científicas que o corroboram). Dae-su enceta um plano de fuga, cavando uma das paredes com um pauzinho… até que, quinze anos depois da sua captura e dias antes da conclusão do túnel, o protagonista é libertado – de novo, sem qualquer explicação. Obviamente mudado por esta experiência, Dae-su procede a nova jornada, desta feita determinada por uma aparentemente insaciável sede de vingança e por um desejo de compreender os motivos que levaram ao seu encarceramento, marcada por uma relação amorosa com a recém-conhecida Mi-do, uma chefe de um restaurante de sushi, que o apoiará na sua árdua demanda.


Estão lançados os dados para um thriller psicológico inesquecível. Felizmente, em momento algum Oldboy desaponta. Não há aqui um “herói” no sentido clássico do termo: a história tem um protagonista e um arqui-inimigo, mas não há uma tentativa de julgar moralmente qualquer das partes envolvidas. Em vez de dar respostas, em vez de polarizar os oponentes, Park Chan-wook opta por lançar perguntas: terá Dae-su direito à sua vingança? Se sim, qual será o limite aceitável dessa retribuição? Será essa vingança uma forma de justiça? O que é melhor – conhecer a verdade e arriscarmo-nos a surpresas desagradáveis, ou permanecer na aparente quietude da ignorância? Será o homem necessariamente “bom” ou “mau” por Natureza?


Para estas perguntas, recebemos como réplica estímulos contraditórios – se, por um lado, os oponentes em confronto num autêntico jogo do “gato e do rato” parecem reger-se pela amoralidade (não estou certo de poder empregar o termo imoralidade, embora se adeqúe aos valores pelos quais me rejo), Mi-do é uma pessoa mais caridosa, mais generosa, representando quiçá a bondade encerrada em todos nós. E embora racionalmente sejamos muito provavelmente levados a repreender a busca vingativa de Dae-su, senti-me mais que tentado a simpatizar com os seus motivos, nomeadamente com o sofrimento, isolamento e desespero pelos quais passou e passa; senti que, numa situação em tudo similar, em que os limites da condição humana são desafiados por uma ameaça desconhecida, era capaz de fazer o mesmo. São poucos os filmes que conseguem produzir tamanho efeito...


A esmagadora conclusão mantém o tom do resto do filme. Por um lado, o final é propositadamente aberto a variadas interpretações. Por outro lado, mantém-se a focalização nos diversos tons de moralidade “cinza”… para ser honesto, nem eu sei bem que emoções me provocou esta película: pena da situação, que tanto sofrimento causou a várias pessoas, mas reprovação das atitudes dos opositores, que acabaram por prejudicar terceiros nos seus trajectos; óbvio choque pelas múltiplas revelações finais (que vão muito além dos artifícios de estilo para conferir à história um engraçado e muitas vezes citado volte-face – a identidade de Keyser Söze, o estado da personagem de Bruce Willis em Sexto Sentido, o propósito do assassino John Doe em Se7en…, - antes servem para reforçar a carga dramática da obra) sem entrar no campo do deslumbramento; repulsa que é confundida por doses consideráveis de compreensão.


Esta estranhamente deliciosa confusão só o é graças ao prodígio técnico com que esta obra é conduzida. Park Chan-wook dirige o filme com mestria, sabendo sempre onde posicionar a câmara e o que focar, quer em cenas mais dramáticas e angustiantes, como os delírios de Dae-su no exílio forçado, quer nas cenas de maior acção, das quais se destaca uma sequência de luta particularmente inspirada. A direcção de fotografia complementa na perfeição os planos de câmara – tudo parece carregado de um semblante melancólico, a começar nos azuis e verdes mortiços e a acabar nos vermelhos escuros. E não querendo menosprezar a edição e a componente sonoplástica do filme, limitar-me-ei a uma breve adjectivação simples: excelentes.


Contudo, vejo-me obrigado a tecer comentários mais alongados quanto ao elenco. Choi Min-sik é claramente a estrela do filme, não obstante outras interpretações de calibre considerável (nomeadamente as de Yu Ji-tae e Kang Hye-jeong). Num papel de tamanha força era fácil, talvez até expectável, encontrar algum overacting, algum exagero nas expressões faciais, algum dramatismo excessivo a roçar o melodramatismo – o nome Forest Whitaker tilinta na minha cabeça cada vez que refiro este irritante erro de representação. No entanto, Choi Min-sik mantém um equilíbrio perfeito durante a sua encarnação de uma pessoa desequilibrada, levando a um esbater de fronteiras entre personagem e público causador de grande porção da nossa “confusão”. Dae-su é um homem complicado, pacato, um “comum” mortal, mas Min-sik torna-o credível, extraordinário, carismático. Houvesse realmente empenho da Academia em entregar Óscares aos melhores do ano e Clint Eastwood teria cedido de bom grado a sua nomeação pelo meramente engraçado Million Dollar Baby a Choi Min-sik. Essa nomeação e a maioria das outras, na verdade…


Oldboy é uma obra-prima não por oferecer uma bela resposta aos problemas fundamentais da vida, mas por nos apresentar um caso concreto, se bem que fictício, de moralidade dúbia e obrigar-nos a reflectir sobre as nossas próprias existências. Tenho sérias dúvidas quanto à legitimidade da vingança e não sei até que ponto a humanidade se divide em “bons” e “maus” (embora, talvez por ingenuidade, tenda a acreditar que nos encontramos no espectro da bondade). Mas este filme teve o mérito de me fazer questionar seriamente sobre estas minhas crenças, passando a admiti-las como reflexões. Não é tão bom ver filmes assim?

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