terça-feira, 25 de maio de 2010

Smoking (1993)


FICHA TÉCNICA
Título: Smoking – Fumar
Director/Realizador: Alan Resnais
Actores: Pierre Arditi; Sabine Azéma; Peter Hudson (narrador)
Fotografia: Renato Berta
Música: John Pattinson
Ano: 1993 (estreado a 15 de Dezembro, em França)
País de Origem: França
Linguagem: francesa
Características Específicas: Comédia/ Drama; Cores; 140 mins.

SINOPSE
Como resumo de um filme como este não há muito a dizer. Este passa-se em Inglaterra, na vila de Hutton Buscel, Yorkshire. O filme começa com Celia a apanhar um maço de cigarros do chão, colocá-lo em cima da mesa e fumar um dos cigarros. Isto possibilita o seu encontro com o guarda da escola e jardineiro dos Teasdale, Lionel Hepplewick, com quem Celia tem uma agradável conversa. À medida que a acção avança, já 5 dias depois, percebemos que Lionel se apaixonou por Celia e que ambos pretendem começar um negócio. 5 semanas depois, Celia enlouquece na “barraquinha” que estabelece com Lionel. Passados 5 anos, o pai deste morre. Ou bien... Lionel decide-se a ficar com Sylvie, esta torna-se numa aluna aplicada do marido de Celia e tudo se desenvolve de maneira diferente.
É assim que nos é apresentado o filme Smoking. Uma linha de acção inicial leva-nos, no seu final, a uma nova linha de acção, diferente da primeira que é determinada por uma diferente resposta ou comportamento desta ou daquela personagem, comportamento esse, novamente, diferente do que tinha acontecido primeiramente. Smoking é pois um conjunto de várias sequências possíveis, cada uma das quais apresenta um final possível, num total de seis finais diferentes (outros seis finais ser-nos-iam apresentados no seu afim No Smoking).

Relativamente à discussão filosófica inerente ao filme a que foi mais suscitada na aula foi a do destino e acaso segundo uma vertente determinista ou não.
Essa discussão foi naturalmente gerada pelo factor mostrado no filme de que, com a mais pequena alteração das nossas vontades ou comportamentos, o nosso futuro (e, em última análise, o das outras pessoas) será necessariamente alterado. A discordância gerada devia-se ao facto de um determinado grupo de pessoas discordar de tal ideia devido principalmente ao facto de não aceitarem que o seu papel no seu “destino” próprio é nulo ou incontrolado.
Pessoalmente concordo com a tese determinista. Esta é necessariamente verdadeira nos conhecimentos que a ciência nos dá. Por exemplo, sabendo a totalidade dos factores que influenciam o trajecto de uma bola atirada ao ar, podemos saber, sem qualquer tipo de dúvidas, a aceleração apresentada pelo movimento da bola, o tempo que demora a cair até ao solo, a força que foi aplicada na bola para que esta suba até determinada altura, entre outro sem-número de factores. Todos estes “dados” podem então ser calculados e sabidos de forma absolutamente correcta. O movimento de uma bola no ar é puramente determinista. Obviamente este não é o único caso de determinismo na ciência – as leis de electromagnetismo ajudam-nos a calcular a intensidade de determinado campo magnético; as da termodinâmica a saber o tempo que determinado corpo demora a atingir determinada temperatura; a electroquímica, a intensidade que determinada pilha apresenta quando se encontra em determinadas condições, etc.
É nos domínios psico-sociais que a questão do determinismo se torna mais complicada e de longe, muito mais interessante. Certos deterministas genéticos (sem certezas em relação ao nome) consideram que é a plenitude dos nossos genes, conclusão, tudo o que somos que não é social, que determina as nossas acções. Assim, se fosse identificada a totalidade dos nossos genes, então um desses deterministas (ou qualquer outra pessoa perita) poderia prever as nossas decisões ao longo da vida, chegando mesmo a prever qual seria o nosso “destino fatal”. Tal ideia soa-me a algo ingenuamente ridículo. O exemplo também fatal é o de que gémeos verdadeiros (com a mesma informação intrínseca neles) não têm o mesmo destino, não apresentam os mesmos gostos, nem apresentam as mesmas escolhas ao longo da sua vida.
Ora esta ideia sugere-nos então que existe “algo mais”. Esse algo mais considero ser o aspecto psico-social de cada ser humano (e também, diga-se de passagem, não-humano). Acredito, deste modo, que as nossas decisões, os nossos gostos e tudo o resto que nos define e definirá no futuro é resultado tanto do que nos é intrínseco (genes e expressão destes) como o ambiente que nos rodeia, a educação que tivemos, os tipos de experiências a que fomos sujeitos tudo isto culminando com a nossa capacidade de “absorvermos” e “apreendermos” com essas mesmas experiências.
O filme acaba então por ir, de certo modo, de acordo com o que acabo de defender. O facto de Celia ter decidido fumar ou não (assunto tratado no filme No Smoking) vai influenciar a sua predisposição para falar ou com Lionel, num tom de conversa agradável e um tanto ou quanto delicado, ou com Miles Combes (como penso que acontece no filme No Smoking) de forma não tão deleitada e relaxada. Deste modo a “decisão que Celia tomou” resultou num determinado desfeche em detrimento do outro. A questão é que mesmo assim, não foi Celia que tomou ela própria a decisão de fumar. Tal resolução naquele mesmo momento é-lhe incutida tanto pela sua predisposição genética para, como pela sua educação e pelo ambiente em que cresceu e se desenvolveu. Deste modo, ou por determinada companhia que tinha fumar, ou por se sentir mais balsamizada com tal hábito, ou por qualquer outra razão, Celia fuma, ou não, naquele momento. Assim sendo, quero especificar que não existe decisão por parte dela. É notória que existe um dilema (ou fuma ou não); no entanto a decisão que aparenta caber à sua personagem só se pode expressar da maneira que se expressa, por ser necessário que tal ocorra (Celia fuma por isto, o outro ou ainda o outro – factores que não foram controlados por ela; Celia não fumar por aquilo, este ou aquele).
Passando a outros casos, com a tentativa de me explicar melhor, apresentaram-se à turma dois contra-exemplos à tese determinista. Um deles era o de que me proponham uma promoção. Eu poderia aceitar o cargo no prazo de uma semana. Não sabendo tais factos quando me fazem a proposta, posso considerar o seguinte caso: se aceitar o cargo no próprio dia da proposta tenha determinado bónus; se aceitar no dia a seguir ao da proposta o meu bónus passa para metade. Ora, aceitei o novo cargo no próprio dia. Tive um “bónus por inteiro”. A questão colocada era onde se encontra o determinismo na minha decisão já que esta foi feita totalmente ao acaso já que não conhecia as vantagens que teria se aceitasse o cargo o mais cedo possível. A resposta dada era simplesmente a de que, se aceitei determinado cargo no próprio dia em que este me foi proposto provavelmente sou uma pessoa impulsiva. Esta característica é resultado óbvio da minha educação – educaram-me a ser uma pessoa impulsiva (ou tal comportamento foi simplesmente incutido em mim pela convivência que tenho com o ambiente e outras pessoas).
O outro exemplo foi mesmo dado pelo professor. Dizia que quando frequentara o ensino secundário principiou este no curso de Economia. Mais tarde, tendo-se apaixonado por uma rapariga de Letras, decide mudar de curso. Pergunta-me se esta decisão não foi totalmente sua; se, neste caso, não teve escolha absoluta da decisão a tomar, afinal de contas se quisesse não mudava de curso e, quem sabe, viveria a sua história de amor com a “rapariga de Letras”. A questão aqui é que também neste exemplo a “decisão” do professor foi tomada com base na sua educação e no ambiente em que se “cultivou”. Vemos aqui também uma certa impetuosidade; quem sabe uma certa falta de paixão pelo curso de Economia; uma ideia pré-formada de que quanto mais tempo tiver com a pessoa de quem gosta, menos sofre, ou pelo menos, mais hipóteses tem de cultivar o seu amor por essa pessoa, etc. De novo, todos estes factores que podem ter influenciado o professor a escolher Letras e o amor à Economia e o dissabor estavam “programados” nele através da sua genética e da sua educação. É impetuoso porque assim costumou ser bem sucedido; a falta de paixão pelo curso de Economia deve-se, divago eu, a uma falta de estimulação durante a sua educação para escolher esse mesmo curso; a ideia de que devemos manter aqueles que amamos por perto deve-se talvez a livros, filmes, etc.
O que pretendo dizer com isto tudo é que todas as “decisões” por nós tomadas vão sendo programadas ao longo do tempo. São vários os factores que as influenciam, é certo, sendo por isso semi-impossível (dependendo do caso) augurar as acções de determinada pessoa. Se, e só se conseguíssemos analisar e conhecer todos esses factores (à semelhança do que se é possível fazer nas ciências empíricas) é que poderíamos dizer com certeza o que Celia fará.
Uma das questões do filme das quais considero pertinente apresentar a minha opinião deve-se ao uso do Ou bien. Sobre o uso da expressão em si não tenho muito a dizer e sobre os aspectos mais estéticos e críticos do filme em si falo mais adiante. Mas voltando ao Ou bien… Este sugere-nos um diferente comportamento por parte de determinada personagem aquando de um dilema, sendo que tal ocorre várias vezes. O exemplo fulcral é o do simples acto de fumar ou não. No filme, apresentam-nos então as duas opções – vemos os desfeches possíveis consideradas ambas as hipóteses. Temos portanto a informação de que Celia pode escolher. No entanto volto a frisar que desprezo a existência desse poder de escolha. O filme diz-nos que Celia faz isto ou aquilo. Para mim, Celia só faz aquilo e nunca isto (ou vice-versa). Celia é presenteada com um dilema (fumar ou não fumar); Celia, só escolheria uma, em todas as situações possíveis. Conclusão, se Celia tivesse percurso, educação, etc… x desde a sua concepção até àquele momento, então sempre que esse momento se repetisse (com uma repetição que embargasse um conjunto de acontecimentos passados sempre iguais) aconteceria sempre o mesmo (por exemplo, fumar).

Embora não concorde totalmente com o filme (principalmente com toda a ideia do ou bien) pelo seu ponto de vista determinista, penso, no entanto, que foi um dos filmes que mais prazer senti a ver.
Começo por referir o fabuloso trabalho dos actores. Apenas dois desempenham, no díptico, nove personagens (Azéma interpretando cinco; Arditi, quatro). A caracterização tanto visual dos vários personagens (o cabelo de Celia; as roupas jovens de Sylvie;…) como interpretativa (feita esta pelos actores) é de aplaudir. Sei que se não tivesse sido previamente informado que apenas dois actores faziam a totalidade do filme, de tal nunca me aperceberia. É necessário então um grande desempenho para que se consigam interpretar de maneira tão distinta e característica nove personagens diferentes.
Um dos aspectos que também não consigo deixar de me recordar é o da inteligente comédia do filme. A cena mítica de loucura de Celia deixou-me boquiaberto com o poder que um ser humano tem em provocar a outro as mais despreocupadas gargalhadas que este pode dar.
Como reparado também em aula, a multiplicidade em interpretar vários personagens é característica do teatro. Numa peça, não é nem necessário nem economicamente viável contratar um actor por personagem interpretada. Assim, por isso, e por exemplo pelos jogos de câmara estática, que leva a que o que o espectador vê num televisor ou numa tela de cinema seja muitíssimo semelhante ao que o espectador vê num teatro, Resnais destaca-se na sensação teatral e dramática que consegue conferir a alguns dos seus filmes. Em “Pas sur la Bouche”, um filme de 2003 do mesmo realizador encontramos esses mesmos traços que relembram uma peça teatral – de novo os jogos de câmara, e ainda o facto de haver neste uma especial atenção aos apartes (memoráveis apartes) feitos da irmã da personagem principal (personagem esta interpretada também por Azéma) ao público. Ora os apartes são um dos maiores indicativos de uma peça teatral e só me ajuda na defesa da tese de que Resnais respira muito da sexta arte. Outro dos inúmeros factores é o de a totalidade das filmagens ter sido feita no interior de um estúdio. Se assim é resta-me referir a beleza dos cenários, os extremamente realistas esquemas de luz e a decoração também ela muitíssimo realista.

1 comentário:

  1. Para quem diz que não há milagres: o João Coelho postou no blog. Duas vezes. Seguidas. ='(

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