sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Ainda sobre o debate da passada 3ª feira

Quando coloquei um comentário a referir que o debate tinha sido inconclusivo, não estava, de forma alguma, a menosprezar a qualidade do mesmo. Este tema é abordado recorrentemente em todos os locais onde se discute arte e o cinema não pode, como é óbvio, não pode dele eximir-se, mas as interrogações são mais do que as certezas.

Gostava que continuássemos a debater aqui o tema. Aqui há uns anos, criou-se uma etiqueta para certos filmes que estavam em exibição no circuito comercial: Filme de Qualidade. Esse rótulo ajudou a demarcar públicos e gerou na altura grandes controvérsias. Não era invulgar haver pessoas a comentar coisas como esta: como é que é possível que aquele filme não tenha sido classificado como filme de qualidade? Ou, inversamente, como é que é possível ter classificado como filme de qualidade, um filme como este?

Havia, na altura uma comissão de classificação dos filmes que determinou critérios, tão rigorosos quanto possíveis, para a apreciação dos filmes. Mas, em última análise, predominava o gosto subjectivo de cada um, como acontece sempre nestas matérias.

O realizador português José Fonseca e Costa afirmou um dia numa entrevista que só conhecia um critério de aferição da qualidade do filme: as receitas de bilheteira. Por isso, considerava o filme Kilas o Mau da Fita o seu melhor filme e os Cornos de Cronos o pior. Se tivermos esta perspectiva, a única que pode ser objectivamente quantificada, O Avatar é uma obra prima (atenção, não digo que não seja porque não o vi) seguido do Titanic e, mais atrás, o E Tudo o Vento Levou.

Ora, eu gostava de saber o que é que vocês pensam disto. Se ligarmos a qualidade ao sucesso de bilheteira, estamos a encontrar um critério objectivo e mensurável. Mas não será completamente redutor? Sobretudo se nos atermos a uma dimensão temporal. Penso que com a música as coisas são mais fáceis de explicar:

Em 1968, o cantor e compositor irlandês Van Morrison editou o seu 1º LP (em vinil) chamado Astral Weeks. No mesmo ano os Mungo Jerry editaram uma canção, que foi o grande hit do Verão, chamada In The Summertime. Na altura os Mungo Jerry venderam milhões de exemplares em todo o mundo e Van Morrison apenas alguns milhares. Mas os Mungo Jerry venderam de forma concentrada nesse Verão, mas no Outono tinham passado de moda. O disco de Van Morrison vendeu mais no ano seguinte do que no próprio ano e continuou a vender nos 40 anos seguintes de tal forma, que, se fizermos as contas, terá vendido muito mais neste tempo todo do que aquele hit de Verão. O mesmo se passa na literatura.

No cinema as coisas são menos claras, devido às peculiaridades de distribuição e de exibição. Não sei se daqui a cinco anos o filme Avatar vai continar a ser recordado ou se será apenas reconhecido como um sucesso poderoso, mas efémero. Em contrapartida, filmes como o Citizen Kane de Orson Wells ou a Regra do Jogo de Jean Renoir, foram enormes fracassos de bilheteira e, no segundo caso,acolhido friamente pela crítica. Mas hoje são objecto de veneração pública, passados insistententemente em cinematecas, cineclubes e festivais de cinema e normalmente considerados como dos filmes que marcaram a história do cinema.

Volto à questão inicial: afinal que critérios poderemos encontrar para designar um filme como tendo qualidade? Gostava de vos ler. Poderíamos continuar esta agradável discussão no nosso blog, agora que ele já está purificado de alguns ventos pouco salubres que por aqui andavam...

Jorge

7 comentários:

  1. Acho que o critério dos sucessos de bilheteira não é o mais apropriado para avaliar filmes por diversas razões:

    -O nº de pessoas que vai ao cinema pode variar com a altura do ano; varia com a economia (em situações de crise económica as pessoas tendem a ir mais ao cinema - há quem considere que tal se deva a uma tentativa de curar a infelicidade, outros pensam que como as pessoas têm menos dinheiro para ir para fora (estrageiro, destinos balneares etc) acabam por não sair do sítio onde vivem mas aproveitam para gastar o que lhes sobra em coisas menos dispendiosas). Isto são razões que impedem este critério de depender apenas do filme que é visto. Contudo, mesmo que fosse esse o caso, aceitar tal sugestão seria pôr o poder avaliativo nas "massas" e não naquelas que podem ser consideradas as "autoridades competentes" - Críticos, peritos e outros cinéfilos.
    Para além disto, factores como a publicidade que o filme teve ou a mediatização feita ao mesmo são fortes influentes no número de pessoas que os vêem. Certamente que não são factores a ter em conta na qualidade.
    Finalmente, o ponto que considero mais importante: Aceitar esta proposta seria aceitar que o cinema é feito apenas com o propósito de entreter e de vender. Como eu rejeito esta visão daquilo que é o cinema, vejo-me impedido de concordar com a ideia do José Fonseca e Costa.

    Quanto aos critérios que avaliam a qualidade de um filme, a questão aí torna-se muito mais complicada. Se fizer sugestões como "qualidade dos actores, escolha dos actores, qualidade da fotografia, direcção de actores, realização (no geral), guarda-roupa, banda sonora escolhida, guião, enredo, impacto do filme na sociedade, etc.", colocam-se questões sobre os critérios de qualidade para cada um desses factores, aos quais também tenho dificuldade em responder.
    Contudo, à medida que esses critérios vão ficando mais específicos, a tecnicidade dos mesmos começa a aumentar, e, nesses casos, a opinião de peritos torna-se soberana.

    Creio que o argumento de que tudo é subjectivo e a qualidade depende da nossa apreciação é muitas vezes evocado por ser algo muito mais fácil de defender, algo quase impermeável à crítica filosófica e que substitui aquilo que tentamos, mas não conseguimos atingir: A definição de critérios objectivos.

    Pergunto-vos, defensores do total subjectivismo, duas coisas:
    1) Fará sentido, então, comparar objectos de apreciação? ( Se cada um tiver os seus critérios...)
    2) Não será então um contra-senso a essa tese aceitar a opinião de críticos e rejeitar a de leigos? Ou até mesmo valorizar uma opinião sobre outra?

    Think about it.

    Q

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  2. "Para além disto, factores como a publicidade que o filme teve ou a mediatização feita ao mesmo são fortes influentes no número de pessoas que os vêem. Certamente que não são factores a ter em conta na qualidade.
    Finalmente, o ponto que considero mais importante: Aceitar esta proposta seria aceitar que o cinema é feito apenas com o propósito de entreter e de vender. Como eu rejeito esta visão daquilo que é o cinema".

    Vão me perdoar o parêntesis político. Mas se tivéssemos tido um bom debate sobre política esta questão seria muitíssimo fácil de connectar ao neoliberalismo! Se se pensar no que o Queirós disse aplicado a sistemas socias, dá para começar a perceber os problemas de uma democracia baseada no mercado e no consumo.
    Viva Queirós, o Comunista!

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  3. Apanhei, por acaso, um artigo muito interessante sobre este tema. Não era sobre filmes, era sobre beleza no geral.

    Era a critica do livro Beauty, de Roger Scruton, se puderem dêem uma olhada nesta:

    http://entertainment.timesonline.co.uk/tol/arts_and_entertainment/books/book_extracts/article5901271.ece

    matilde

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  4. Pedro

    Mesmo uma boa discussão sobe o neolibealismo, não esclareceria cabalmente este assunto. mesmo em socieddes que nunca foram neoliberais, como antiga sociedade soviética (com todas as críticas que se lhe possam faze e eu sou um deles), esse problema colocava-se de igual modo.

    Refiro-te o caso do grande cineasta Andre Tarkovski que mesmo dentro da URSS foi sempre um cineasta sem público e os seus méritos só foram reconhecidos aós a sua morte.

    penso que o problema é mais fundo e tem a ver com o gosto de massas e o gosto das elites. mas isso será objecto de outro post que hei-de colocar no blog.

    Jorge

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  5. Não estou a dizer que uma discussão sobre o neoliberalismo pudesse resolver isto.
    Nem que sociedades que não vivem segundo o neoliberalismo estão isentas destas questões.

    Mas que (os problemas d)o neoliberalismo dava um bom início de discussão e uma óptima analogia, aí isso dava!
    É pena a política já ter passado... é muita pena!

    Feijó

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