terça-feira, 22 de junho de 2010

THE LAST PICTURE SHOW





Ficha técnica do filme:

Título: The last picture show/ A última sessão

Realizador: Peter Bogdanovich

Ano: 1971

País de Origem: Estados Unidos da América

Argumento: Larry McMurtry

Cor: Preto e branco

Duração: 121 minutos

Actores Principais:

Timothy Bottoms . . . . . . . . Sonny Crawford

Jeff Bridges . . . . . . . . Duane Jackson

Ellen Burstyn . . . . . . . . Lois Farrow

Ben Johnson . . . . . . . . Sam The Lion

Cloris Leachman . . . . . . . . Ruth Popper

Cybill Shepherd . . . . . . . . Jacy Farrow




Sinopse:

O filme começa e acaba com a mesma imagem: um plano da rua do cinema Royal. É o pólo central da pequena e decadente cidade de Anarene no Texas petrolífero, para um grupo de jovens que vivem a passagem da adolescência para a idade adulta. O cinema, bem como o salão de bilhar e o café são os únicos pontos de encontro possíveis para se divertirem, e o filme gira à volta de acontecimentos entre estes locais.
Sonny Crawford é o típico rapaz americano, que vemos evoluir ao longo da história, se primeiro percebemos que ele é corruptível, infantil, hesitante nos seus principios, no fim da história vemos que ele se tornou num homem de coragem e valores. Duane Jackson é o seu melhor amigo, é também um másculo e impulsivo jogador de futebol americano à procura de qualquer oportunidade para exibir a sua virilidade. Namora com Jacy Farrow, a rapariga mais bonita, sensual, e rica da cidade, ela é desejada por todos os rapazes, e usa a sua influência sem pudor, manipulando-os, brincando com os sentimentos deles sem vergonha. E ainda existe Billy, um rapaz mudo e com um atraso mental, com o qual todos gozam, mas que é determinante para entendermos quem são afinal os personagens que o rodeiam.
Mas o filme faz-se principal das interacções entre os adolescentes e os adultos da cidade: Sam The Lion é o proprietário do cinema, do café e do salão, e é o modelo, “o exemplo a seguir”, a figura paternal, tanto para Sonny como para Duane; Lois é a mãe de Jacy, que carrega nos seus ombros o peso da vida falhada; Ruth Popper é a deprimida, quase à beira do suícidio, mulher do treinador da escola, com a qual Sonny se envolve sexualmente; e finalmente Genevieve, a empregada do café, que é também a amiga adulta dos rapazes.
A história é meramente uma sucessão de interferências pessoais, troca de namoradas, festa, passeios de carro que ensinam aos jovens lições sobre o amor, a vida, a inveja, a amizade. Mas o que faz o filme são os diálogos e o que representam os momentos.
Por exemplo, quando Duane e Sonny decidem precipitadadmente ir ao México e voltar na mesma noite, quando voltam deparam com o café fechado e também o salão (algo que nunca tinham visto em toda a sua vida). Sam tinha morrido nessa mesma noite.
O fim do filme consiste na morte de Billy, no encerramento do cinema, na partida de Duane para a guerra na Coreia, no reatamento de Sonny com Ruth



Para consultar a história em pormenor: http://www.65anosdecinema.pro.br/2286-A_ULTIMA_SESSAO_DE_CINEMA_(1971)



Conceitos filosóficos abordados:


Este filme conduz-nos a bastantes questões filosóficas, especialmente no que toca à beleza, à juventude e ao sentido da vida.


When old age shall this generation waste, …..........................Quando a velhice destruir esta geração,
Thou shalt remain, in midst of other woe.............................Tu ainda serás, em meio a outras aflições
Than ours, a friend to man, to whom thou say'st,...................Que não as nossas, uma amiga do homem, a quem dirás
"Beauty is truth, truth beauty," - that is all............................A beleza é a verdade, a verdade beleza –eis tudo
Ye know on earth, and all ye need to know …..........................Que sabeis na terra, e tudo que precisais saber.

John Keats, “ode sobre uma urna grega”

Este é o excerto do poema que o professor da secundária lê aos alunos, ao qual os alunos não reagem. Mas o poema não está lá para a turma, ele lê-o para nós. Porque o filme é sobre a beleza, especialmente a beleza da juventude. A beleza de, como diz Sam, nadar nu num lago, a beleza dos actos impulsivos que as personagens tomam ao longo do filme. Esta beleza não se relaciona necessariamente com aspectos materiais, ou com a beleza do corpo, penso até que através da exposição de vários nus e imagens de cariz sexual, e de inúmeros planos da linda Cybill Shepherd, o realizador consegue demacar-se da limitação da beleza física. Entramos num conceito mais platónico no sentido em que o belo é etéreo, imaterial, quase divino. Não o podemos ver, só sentir. Daí “a beleza é a verdade”. Platão também disse que “Beauty is certainly a soft, smooth, slippery thing and, therefore, of a nature which easily slips in and permeates our souls. And I further add that the good is the beautiful. “
Esta noção específica de beleza é visível ao longo de todo o filme, desde a cena em que Duane, Sonny e Jacy vão a cantar no carro, passando pelo olhar de Sonny quando Ruth está a chorar e por todas as vezes que ele vira o boné de Billy ao contrário, ou a frase de Sam “se ela estivesse aqui, eu era capaz de ficar tão maluco como era dantes, em somente cinco minutos, não é ridiculo?”, “Não, ser um saco de ossos velhos é que é ridiculo, ficar velho”. É a crueldade do envelhecimento, e o possível infortúnio da vida que começa a cair em cima de Duane e Sonny, é vê-los perder a beleza e o brilho inicial, a inocência da idade infantil.
No entanto, a expressão máxima deste estado de belo é Billy, ele que não entende o que se passa ao seu redor, que não pode falar (nem parece ouvir), que apenas sorri quando alguém é seu amigo. Billy é, na minha opinião, essa pessoa livre de qualquer maldade ou fealdade; e é por isso mesmo que no fim do filme é atropelado por um camião, porque já não há espaço para ele no “novo mundo”, ele nunca poderá ser um adulto, e assim a sua morte representa o desaparecimento da beleza.

O filme é portanto uma fronteira, não só uma fronteira entre a juventude e a idade adulta, mas também uma fronteira entre os tempos do cinema e da televisão, entre a juventude do autor e a sua idade aquando da realização (o filme passa-se em 1951/1952 mas foi lançado e produzido em 1971). Pode ser um pouco dramático, mas talvez o filme marque a mudança entre o indivíduo e o seu modo de vida “de antigamente” e o actual. Sam, por exemplo, era uma figura que deixou de existir, vive no nosso imaginário mas já não é real, incorruptível, capaz de perdoar, bom em todo seu significado, justo. E depois, sem que seja necessária a presença de uma personagem antagónica a esta (não me parece que Jacy, apesar de todas as suas vicissitudes, o seja), o realizador transmite-nos a mensagem essencial. Todos nós conhecemos, bem de mais talvez, o oposto.

Para a transmissão deste sentimento de nostalgia/recordação do passado que acabou de acabar, é importante também a descaracterização de todo o espaço e personagens a que o realizador recorre: estes jovens não diferem (a não ser possivelmente na música que ouvem, country) de outros jovens em qualquer parte do mundo, esta cidade de província em progressivo abandono, não é muito diferente de uma outra qualquer noutro estado ou noutro país. O filme não se prende portanto em limitações geográficas, não é a descrição de um acontecimento singular, é universal. Assim, qualquer espectador pode relacionar-se com os indivíduos do filme e com as suas experiências.

Existem ainda alguns episódios que remetem para a questão do destino, entre os quais destaco a viagem ao México e a luta entre Sonny e Duane pelos direitos sobre Jacy. No primeiro, Sonny e Duane decidem ir ao México e voltar numa só noite e quando voltam, ressacados, Sam está morto. Esta cena ter três sentidos: tanto pode ser a ilustração da inadequação de Sam a uma nova época que ele desaprova, o que também se reflecte no olhar que ele lança ao carro antes da partida; como também pode significar na cabeça de Sonny e Duane mais uma prova de que tudo o que eles possam fazer terá sempre uma consequência, mesmo que não consigam entender porquê, de certa forma a morte de Sam deixa Sonny ainda mais próximo da maturidade já que o cowboy lhe deixa o salão como herança; como ainda pode ser a última festa (com direito a sombreros e tequilha) antes do próxima fase, tanto na vida deles como na de Sam.
No segundo episódio, Sonny e Duane estão a discutir sobre Jacy. Para Sonny, ela nunca gostou realmente de Duane, e não existe nenhum problema em ser ele a sair com ela, agora que o amigo está fora. Mas para Duane, ele e Jacy estão destinados, e mesmo que já tenham acabado o namoro há meses, um dia ainda se vão casar. Os dois começam a lutar até que Duane parte uma garrafa no olho de Sonny. O olho ferido é a marca de uma amizade perdida, de uma rapariga inalcançável, e de que mais uma vez ambos caminham para uma nova vida de violência e ataques, onde tudo o que podem fazer é sofrer as consequências das suas acções.


O filme é a última sessão, do cinema local, do cinema para Peter Bogdanovich, da juventude dos adolescentes, do mundo para Sam e Lois, de loucura, de irresponsabilidade, de beleza intangível, da vida de Billy.


Opinião pessoal sobre o filme:



Posso dizer apenas em duas palavras a minha opinião sobre o filme: é lindo. É verdade que o vi de propósito apenas para realizar este trabalho, mas não me parece que isso tenha afectado a percepção negativamente, pelo contrário fez-me redobrar a atenção sobre pequenas frases e cenas que normalmente veria com alguma superficialidade, estando de imediato a pensar “isto é excelente para escrever sobre...”.
É lindo porque as interpretações, tanto as dos actores seniores, como as dos júniores (o que é notavelmente surpreendente) são incríveis. Não é por acaso que 4 actores levaram para casa o Óscar devido a esta obra.
É lindo porque o argumento, que não me interessa para nada, não interessa mesmo e isso faz quem está a ver o filme despreocupar-se relativamente ao seguimento da acção, aos nomes e datas, para se focar exclusivamente nos diálogos poderosos e no significado de cada cena para a mensagem global. No entanto o realizador é capaz de atribuir ao filme esta densidade de conteúdo, sem cair no erro mais evitável, pelo menos para mim: sobrecarregar o filme de simbologias pesadas e rebuscadas que provocariam o efeito oposto ao que eu acho essencial. É um filme leve, sem cenas dramáticas ou excessivamente tristes, mas que transporta um pensamento doloroso sobre a vida.
É lindo porque a atmosfera em que se passa é inócua e seca e totalmente antiquada, tanto que quando consultado Orson Welles disse: “É claro que o filme tem de ser a preto e branco!”.
É um filme magnífico porque está cheio de poesia nos locais mais inesperados, tanto na nortada que sopra no início e no fim, como na expressão de Billy no balcão do cinema, como nos gritos dos cowboys de “Red River”, o filme que passa na última sessão do cinema Royal.
E acho que não estou enganada se disser que mais de metade do filme ainda não posso ver, afinal ainda tenho dezassete anos e portanto ainda sou um dos miúdos, não consigo ver a nostalgia de “getting crazy”, porque não tenho os olhos de um adulto.

E acho que gostei tanto dele porque retrata tudo com o distanciamento necessário, não há espaço para “lamechices” e sentimentalismo, quase não se vê ninguém a chorar, não possui banda sonora (o que torna tudo ainda mais autêntico); é um filme árido que mostra as coisas como elas são. É um filme chocante, e não estou a falar das cenas de nudez, sexo e violência, é chocante porque é demasiado honesto, não cria saídas para as personagens, não tenta moralizar, não proporciona falsas esperanças nem finais felizes.


P.S. O autor do romance em que o filme é baseado viveu mesmo na cidade onde se rodaram as filmagens, Archer City.

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